Maria Amélia Mano
Vó
Cecília. Ela tem um “amigo” que mora na rua e de vez em quando, fica na calçada
da casa e espera por ela. O “craquento”, como diz a Raquel. Dá pão com geleia
de morango feita por ela. Um dia, nós andando de mãos dadas, e ela encontra o “amigo”
que convida ela para o café. Ela acha graça da liberdade e sempre tem uma
aventura para contar do “amigo”. Outra vez, na janela de casa, o “amigo”
confessa que usa pedra e segura no braço dela, forte. Ela me conta, emocionada
com o gesto. “O bichinho...”, me diz ela com dó e carinho. Expressão única que
ficou dos 20 anos de nordeste. Aprendizado de distâncias, chegadas e partidas.
Tem
mil potinhos onde coloca as mais deliciosas comidinhas que faz. Alinhava as
barras das calças e saias. Borda sempre motivos pequenos: florzinhas,
folhinhas, pequenos carinhos. Pega galhos de plantas para fazer mudas em
jarrinhos coloridos. Gosta de chaveiros diferentes de mil lugares. Gosta de
borboletas, muitas, coloridas, em pinturas, desenhos, decalques onde der de
colar e enfeitar. Gosta de anotar nossos passos em caderninhos. Gosta de passar
a limpo receitas de bolo e pudins. Seleciona ervinhas do jardim para colocar na
água. Água com ervinhas é mais gostosa de se beber. Até na garrafinha de água,
no caminho. Mas gostoso mesmo é quando todos chegam em casa.
Conta
histórias desde que me conheço. As melhores, as que nunca se repetem. Deixa que
brinquem com as contas, os colares, as fotos antigas, alguns tesouros que ficam
meio despedaçados nas mãos de crianças. Deixa que desarrumem, para “ter o que
fazer quando todos saírem”. Gosta de dar presentes. Gosta do Martinho da Vila e
do Zeca Pagodinho, de dançar miudinho, de cantar e falar sozinha, de saracotear
no centro e comprar mil botões diferentes que sabe que, talvez, não use em nada.
Corta o próprio cabelo e insiste em mil creminhos, pozinhos, talcos e lápis nos
olhos, sempre brilhantes. Mas brilham mais os olhos é nas despedidas.
Vó
Cecília. Ela que organiza as fotos de todos os netos em mural, que procura
anéis mágicos, tiaras de princesa, frutas bonitas para uma salada ou uma
geleia. Ela que me pergunta todos os anos o que pode me dar de presente de
natal. E que planeja as festas, todas. Se bobear, planeja e programa todo o
dia. Animada, grita e interrompe qualquer um, sem piedade. É desatenta e gosta
de “deixar pra depois”, dizer que “podia ser pior” e que “tudo vai dar certo”. Eu
sempre reclamo, mas, no fundo, sempre agradeço a presença dela na minha vida.
Imensidão que me ensina a chegar e partir, permanecer. Mãe, amor em forma de
torradinha com orégano. Ternura em forma de chazinho de hortelã com gosto de
“era uma vez”.
Texto pensado/escrito entre 17 e
18 de dezembro, na última trilha do ano, acompanhada de garrafinha de água com
ervinha tirada do quintal da Vó Cecília.
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