07 fevereiro 2017

UM BRINDE À DESORDEM QUE CAUSAMOS


Maria Amélia Mano


Existirmos a que será que se destina

Caetano Veloso


                Um brinde!

                As últimas duas semanas foram assim...

                À amizade, à nossa saúde, à parceria, às férias que chegam, ao amor, aos sonhos, às viagens, às caminhadas ou somente à cerveja boa e gelada...

                Falamos de sustos, assombros, medos e coragens, desejos, fantasmas, falamos de nós e desatares de nós, falamos de nós e dos outros. De muitos e de como somos sós.

                Sobre essa solidão que nos persegue desde nosso primeiro choro, uma hora, uma palavra. Temos que aprender que o outro, o amor, é testemunha. E acho testemunha palavra linda, agora, assim, desse jeito de olhar. Antes servia mais pra crime imperfeito. Mas vida é crime imperfeito e estamos sujeitos a sermos delatados sempre. Assim, que essa imperfeição deixe pistas. As pistas das nossas irresponsabilidades, das nossas insônias, dos nossos sonhos, os mais absurdos. Os que nunca dão certo, os que dão certo sem percebermos, os que perseguimos, os que abandonamos, os que envelhecem, os que se renovam, renascem.

                Ah, essas semanas! Semanas de cansaço e espera de pausa. Paciência.

                Sobre essas mesas de bar, essas caminhadas na noite, essas canções antigas revisitadas, essas horas livres, essas risadas soltas, um brinde! Um brinde ao fim do dia com luz linda que deixa minha calçada diferente, mais vazia, mas mais cheia de sombras, mais fresca, mais aconchegante, mais pedindo pés descalços no chão e mais olhar para o que pode ser sempre novo, mesmo visto todos os dias. Esses dias em que saio e chego pelas mesmas pedras, pequenas viagens cotidianas, pequenas despedidas de tempos. Dias que nascem. Entardeceres.

                Um brinde à desordem que causamos*: é letra de música de filme de sábado sobre sonhadores.

                Penso na desordem desses olhares que buscam a palavra mais linda, a brincadeira com bonecos de sucata, o curso de curta-metragem, um outro idioma, a pintura do muro, a música na rua, aprender a alfabetizar, tocar gaita e fazer pão, voltar a desenhar e a mexer com barro. Passarinho lá fora diz que é desordem demais! Inquietação demais! Rio dele, respondendo que quero tatuá-lo na nuca, e mais um símbolo do infinito do sertão de Rosa, da matemática da mãe E mais uma folhinha verde no braço direito. Folhinha em homenagem à minha falta de marca de vacina. Subversão. Reverência à natureza e ao pai que me ensinou a amá-la.

                Deixo que esses dias me passem e eu passe por eles, com eles. Nesse brinde desordenado de quem acredita no que se constrói entre risadas, entre simplicidades, entre ausências e corações encharcados de esperanças, desabrochares, cantares, algumas ressacas, ideias criadas em cafés entre árvores e, sobretudo, desordens.  A desordem de passar na livraria e querer o Sílvio Rodríguez que toca e o Calvino só por uma passagem aberta em página aleatória. Penso que são presságios. Avisos. Mensagens. Conselhos. Mas não acho mais a página em atrapalho de memória. Ah, essa minha desatenção! Essa minha paixão!

                Um brinde à minha procura! À nossa loucura, extasiada por canção e cor de entardecer! Um brinde!

 * https://www.youtube.com/watch?v=bRZgcdiabSo

https://www.youtube.com/watch?v=nmd7Nw9KqaE

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