Às 18 horas o cabo
conduziu a guarda do batalhão, formada majoritariamente por soldados do PELOPES
e alguns poucos do terceiro pelotão, para o refeitório. Era hora do jantar.
Neste tempo os soldados
“safos”, ou seja, os que sabiam se virar em qualquer situação, já não
carregavam mais todos os equipamentos, queriam livrar-se de tudo que
representasse peso extra. Nem a caneca para água carregavam mais. Na mesa uns
15 soldados, olhei e apenas Ezequias tinha caneca.
- Dá um gole desta
agua, Ezequias?
- Não dou.
- Tá louco, vai me
deixar morrer entalado aqui com essa comida?
- Vocês nunca carregam
as canecas. Só eu trago e tenho que dividir água com todo mundo.
- Só um golinho,
Zequias.
- Não dou não, vocês do
PELOPES são muito folgados. Eu trouxe a caneca só para mim.
Alves, que até aquele
momento apenas ouvia, levantou-se de seu lugar no meio da mesa, caminhou até
Ezequias, pegou a caneca cheia de água e trouxe até mim. Estendeu e disse:
- Pode beber.
Peguei a caneca
constrangido, mas de bom humor e bebi apenas um pouquinho, quase nada.
Levantei-me e fui devolver a caneca para Ezequias.
- Você não bebeu nada,
disse Alves. Pode beber. Vamos beber toda essa água. O Ezequias não vai mais
tomar água hoje.
Marcão, um negão forte,
com um sotaque da malandragem, quase sempre calado ou zombando de alguém,
levantou-se com a bandeja vazia, pegou a água da mão de Alves e tomou o que
sobrou. Levou a caneca vazia para Ezequias, por traz olhou as rugas no pescoço
dele e disse.
- Tá aqui seu copo,
Ezequias, pescooooço dinossauro.
Marcão fazia referência
a música do Titãs, que tocava muito nas rádios naquele tempo.
Atraído pelo apelido,
Alves foi até Ezequias, puxou a gandola dele e disse:
- É mesmo, o pescoço
dele parece de dinossauro.
Todos começaram a
repetir: pescoço dinossauro, pescoço dinossauro.
Ezequias era um soldado
baixinho, cara emburrada, muito vermelho. Não reagiu, talvez porque soubesse que
poderia ser pior. Ugo caminhou até ele, com dois dedos unidos bateu em seu
pescoço e repetiu:
- Zequias, pescoço
dinossauro.
- Porra Zequias, tá
vendo o que você fez? Podia ter me dado a água numa boa, agora se ferrou.
Voltamos para guarda, o
batalhão quase vazio, no pátio entre as companhias, só se escuta reverberando,
Marcão gritando:
- Zequiiiiiaaaaassss, o
peeessscoço dinossaaaauro.
Logo depois da janta
fui para minha hora na guarda, mas quando voltei fiquei sabendo que a piada não
parava, até o cabo entrou na onda. Na ceia, das 21 horas, a brincadeira já
havia tomada uma proporção tão grande que Ezequias teve um ataque nervoso e foi
levado para enfermaria.
[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às
6tas-feiras]
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