Maria Amélia Mano
Histórias de viagens. Por que toda viagem tem sabor de
velho e novo. E todo sabor é viagem dentro de nós.
É fim de agosto e a primavera que já se anuncia nos ipês
floridos, se faz sentir na pele: manhãs de vento e casaquinho de conselho de
mãe, calorzinhos de tardes de sol cálido, noites gostosas de coberta macia. E
as viagens que continuam, entre idas, vindas e as paisagens rápidas nas
janelas, os companheiros de travessia, os momentos de espera, saídas e chegadas.
Dois dias distante das casas que chamo de minhas.
Estranhamento bom para descobertas e saudades. Preocupações com amigos, família
e as dores do mundo dos quintais conhecidos distantes. Escritas e projetos,
apresentações e definições. Insônias e cansaços. Tempo que passa entre tudo o
que se tem para fazer e pensar, sonhar.
Em uma
pausa, manhã de feira, plantas, artes simples e gosto de gengibre. Mais tarde,
visita, velhinho amigo, vincos na face arados em terras de 97 colheitas. Lembro
dos meus. Lembro dos quintais, aqueles antigos, e das descobertas dos quintais
novos: a jabuticabeira que conheci mais velha. Chego de mansinho, quase abraço,
beijo de saborear cada frutinho.
Já de
volta, no ônibus, companheiro me pede licença para sentar do meu lado, na janela.
Velhinho, atende o telefone com destreza: “com quem quer falar?”. Presto
atenção em como maneja bem o touch do
aparelho. “Aqui é Setembrino!”, diz ele. A ligação era engano. Mas entendi que,
naquela tarde de fim de agosto, de jabuticabas, nenhum nome fazia mais sentido.
E
creio que, cansados, dormimos juntos encostando os braços, por duas horas. Seu Setembrino
e eu. Até que na chegança, ele mais disposto, pede licença para sair. Está de
jeans e camiseta e sai faceiro como se tivesse 20 anos. Eu, no cansaço dos
últimos dois dias, me via orgulhosa dos meus 80 anos, sem pressa, enternecida
pelo sorriso de despedida do velhinho.
Árvore
antiga no quintal novo, frutinha descoberta tarde mas visitada sempre, com
carinho e admiração, pela beleza, pela facilidade em se oferecer linda e doce.
Velhinhos: o amigo que vejo, o de casa que lembro, o passageiro ágil na
tecnologia que divide travessia. Setembro vindo e vindo, como essas luzes de
olhar antigo, rugas que ganho, espaços de plantio de histórias.
Histórias de viagens. Por que toda viagem tem sabor de
velho e novo. E todo sabor é viagem dentro de nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?