22 agosto 2017

TIA BENEDITA E OS PARDAIS


Maria Amélia Mano

Poesia é voar fora da asa.

Prestar atenção ao movimento do mundo é também ver alguns pontos se unirem. Pontos que nem sempre se parecem. Parecem distantes. Desaparecem e reaparecem em memória que assalta, de surpresa, feito pisca-pisca, pirilampo, essas estrelas que caem e fazemos pedidos. Eu mulher cheia de desejos e sempre tentando lembrar qual o mais urgente, o mais especial para pedir.

E esse mundo se move em viagens por terra, ar e lembrança.

Aventura no ar. Asa de avião com escrita inusitada: “não pise”. Jamais pensei que alguém poderia pisar na asa. Lembrei o poeta. Caminhar na asa de um pássaro, quem sabe. A gente ser pequeno que nem os soldadinhos, os brinquedinhos, as miniaturas e sair voando em asa, segurando em penugens, lanugens amorosas.

            Aventura na terra. Placa na estrada: velocidade controlada por pardais. Chamam pardais os radares eletrônicos que identificam as velocidades dos carros. Mas eu novamente penso no poeta. Um pássaro a nos espiar e controlar. Percebo que os pontos-pirilampos se unem e quem fia, desfia a ponte entre pássaros é a poesia.

Aventura de infância: lembranças. Amigo que conheci menina aparece em conversa de mensagem de telefone. A mãe dele foi minha professora. Lembro da escrita a giz no quadro: o pardal voa. O pardal que nos olha na viagem. O pardal que, pequena, viajo na asa. E os pontos-pirilampos que unem os pássaros são feitos da ternura que sempre fica do que de lindo vivemos.

E esse mundo se move em viagens por dentro de nós, caminhos da alma.

Pardais com asas de caminhada, asas de ver tempo dos homens, asas de poesia, asas de lembrança delicada: tia Benedita. A professora do primário ainda mora na mesma rua calma. Vou escrever carta e mandar livro azul que vira barco: balsa. Os pontos-pirilampos seguirão para longe, onde uma estrela prometeu cair, um dia. E eu menina sabia fazer pedidos simples.  

Novo ponto se une. E o pardal, esse pequeno, é fio-pirilampo entre a menina e a mulher, para me ensinar a fazer pedido bonito, desejar simplicidade. Essa que mora na asa, na casa distante da tia Benedita, na lembrança, no reencontro, na poesia, na ternura, na viagem, na estrela no céu, na estrela em mim, essa que pisca e pirilampeia em mim, viaja em mim e volta para mim, em abraço de passarinho.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

O que tem a dizer sobre essa postagem?

Postagem mais recente no blog

QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?

                ? QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?   Camila chegou de mansinho, magra, esfaimada, um tanto abatida e cabisbaixa. Parecia est...

Postagens mais visitadas no blog