Maria Amélia Mano
Um furacão avança pelas terras
distantes e olho as imagens, embevecida. Apesar da destruição, do medo, não
consigo deixar de admirar a fúria da natureza. Sei que não devo, mas acho que
há beleza na tempestade.
Lembro agora de uma tempestade especial. Lembro da menina escura de cabelo de
palha milho, Geneva ou Genoveva, era o nome dela. Era menina bonita, assustada,
cabeça sempre baixa. Não me lembro do sorriso. Talvez não tenha sorrido.
Lembro de ter oferecido brinquedos,
de me aproximar, de querer ser amiga. Mas ela se encolhia, se escondia, não
falava, não me respondia. Talvez não me entendesse. Eu era muito pequena. Ela
era tão linda...
Lembro do choro forte, sofrido, na
noite de tempestade. E da voz da minha mãe tentando acalmar, acarinhar. Noite
longa. Posso me ver deitada na rede com os olhos abertos e assustados, não pela
tempestade, mas pelo choro.
Desejava que o choro passasse. Não
lembro se dormi, se ela dormiu ou se a tempestade cessou. Sequer lembro se a
tempestade era tão forte assim. O certo é que se fez silêncio. Um silêncio sem sentido.
Ela sumiu. Depois de um tempo
apareceu, com os pais. Os pais dela diziam que não ia acontecer de novo, que
era menina alegre. Eu só espiava atrás da porta. Eu queria que ela voltasse.
Queriam que ficasse conosco, que
tivesse mais condição de vida. Eram muito pobres. Quando pergunto dela, a mãe
não sabe como lembro. Sim, eu lembro. Eu vi ou ouvi contar ou inventei? Mas
ela existiu pra mim.
Na época, acharam que seria bom que eu
tivesse uma irmãzinha. Mas a mãe sentiu pena da criança na noite de tempestade. Não
conseguia acalmar. Geneva chorava e chamava pela mãe. Era sofrer demais. Dor de estar longe em casa estranha.
Nunca mais vi Geneva. Mas nunca
esqueci da figura pra mim tão bonita e tão triste. Encolhida, talvez com medo. Pensei que a faria brincar e sorrir.
Pensei em cuidar dela. Pensei que se ela me desse uma chance.
Se eu tivesse dito ou não dito. Se eu
tivesse dado um passo à frente ou atrás ou ainda, se não tivesse me movido.
Vamos pensar assim em muitas encruzilhadas da vida. As que sabemos e as que nem
notamos. E sobre nada temos poder...
E a vida da gente é assim. Por um
relâmpago, se muda um destino, se conta uma outra história. O tempo passou e
ainda penso, com os mesmos olhos debaixo das cobertas, os mesmos olhos de admirar
tempestade:
- se não tivesse chovido, se não
tivesse trovejado...
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?