12 setembro 2017

A TEMPESTADE QUE CHEGA É DA COR DOS TEUS OLHOS


Maria Amélia Mano

Um furacão avança pelas terras distantes e olho as imagens, embevecida. Apesar da destruição, do medo, não consigo deixar de admirar a fúria da natureza. Sei que não devo, mas acho que há beleza na tempestade.

Lembro agora de uma tempestade especial. Lembro da menina escura de cabelo de palha milho, Geneva ou Genoveva, era o nome dela. Era menina bonita, assustada, cabeça sempre baixa. Não me lembro do sorriso. Talvez não tenha sorrido.

Lembro de ter oferecido brinquedos, de me aproximar, de querer ser amiga. Mas ela se encolhia, se escondia, não falava, não me respondia. Talvez não me entendesse. Eu era muito pequena. Ela era tão linda...

Lembro do choro forte, sofrido, na noite de tempestade. E da voz da minha mãe tentando acalmar, acarinhar. Noite longa. Posso me ver deitada na rede com os olhos abertos e assustados, não pela tempestade, mas pelo choro.

Desejava que o choro passasse. Não lembro se dormi, se ela dormiu ou se a tempestade cessou. Sequer lembro se a tempestade era tão forte assim. O certo é que se fez silêncio. Um silêncio sem sentido.

Ela sumiu. Depois de um tempo apareceu, com os pais. Os pais dela diziam que não ia acontecer de novo, que era menina alegre. Eu só espiava atrás da porta. Eu queria que ela voltasse.

Queriam que ficasse conosco, que tivesse mais condição de vida. Eram muito pobres. Quando pergunto dela, a mãe não sabe como lembro. Sim, eu lembro. Eu vi ou ouvi contar ou inventei? Mas ela existiu pra mim.


Na época, acharam que seria bom que eu tivesse uma irmãzinha. Mas a mãe sentiu pena da criança na noite de tempestade. Não conseguia acalmar. Geneva chorava e chamava pela mãe. Era sofrer demais. Dor de estar longe em casa estranha.

Nunca mais vi Geneva. Mas nunca esqueci da figura pra mim tão bonita e tão triste. Encolhida, talvez com medo.  Pensei que a faria brincar e sorrir. Pensei em cuidar dela. Pensei que se ela me desse uma chance.

Se eu tivesse dito ou não dito. Se eu tivesse dado um passo à frente ou atrás ou ainda, se não tivesse me movido. Vamos pensar assim em muitas encruzilhadas da vida. As que sabemos e as que nem notamos. E sobre nada temos poder...

E a vida da gente é assim. Por um relâmpago, se muda um destino, se conta uma outra história. O tempo passou e ainda penso, com os mesmos olhos debaixo das cobertas, os mesmos olhos de admirar tempestade:

- se não tivesse chovido, se não tivesse trovejado...

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