05 dezembro 2017

AZUL


Maria Amélia Mano

        De todos os sons de todos os tons de azul, me interessa o azul profundo silencioso. Azul furta-cor, furta-mais-azul. Que eu estou em momento de azuis, profundidades, profundezas, profundamentes. Viver essências e o que mais couber dentro do azul da vida que vale a pena.

Dentro. Como a roda mais central do caule, o cerne da árvore que indica a idade em que nasceu. Como o centro da terra, em fogo, de onde saem os vulcões. Como tudo que é escondido e calado, como a calma secreta das regiões abissais do mar. E quero erguer a saia para entrar nessas águas, sempre criança.
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De todos os toques e todos os sabores, quero o azul macio agridoce, feito coisa de infância, de longe, de parque, praça e rua. Feiras de manhãs. Mãos dadas. Ou, em casa, andando em cima dos pés do pai, passo curto, junto. Aprender a dançar na sala e aprender a caminhar no mundo com vestido feito por mãe.

Dança. Como esse passo que aprendo todos os dias. Como a flor da minha pele desabrochando orvalhada, azul, em manhã de dezembro. Como tudo que me lembra de mim, confiando e seguindo, dando jeito de sorrir. E quero seguir esperançosa em sonho recém-nascido, partilhado.

De todos os sentidos, quero o céu, aquele, o azul. O que está em cima da casa da Rua José do Patrocínio. Chegar na calçada antiga e ouvir o chiado da panela de pressão e o cheiro de feijão. Mãe esperando na cozinha. Limonada do pai em copo de metal pra conservar frescor e amor.

Frescor. Como essa missão que defendo enquanto vivo. Leveza de criança, amor de família, azul de essência, profundeza, princípio, o que me constitui, o que me faz e me refaz, o que me lembra de continuar sendo. E quero sempre caber nesse azul, como cabe meu abraço de filha.

De todos os sentimentos, essa gratidão ao tempo que me presenteia: mãe e pai, Cecília e Aderaldo. Cabe nesse azul do mesmo céu que nos espia todo verde que o pai faz brotar, todas as cores que a mãe alinhava, na mão. Cabe em nós, o carinho de sempre. Cabe em mim todo o colorir, todo o colo-rir.



 Ilustração, ensaio de aquarela de azuis e giz de cera branco - Paula Wong

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