Maria Amélia Mano
Dentro. Como a roda mais central do caule, o
cerne da árvore que indica a idade em que nasceu. Como o centro da terra, em
fogo, de onde saem os vulcões. Como tudo que é escondido e calado, como a calma
secreta das regiões abissais do mar. E quero erguer a saia para entrar nessas
águas, sempre criança.

De todos os toques e todos os sabores, quero o
azul macio agridoce, feito coisa de infância, de longe, de parque, praça e rua.
Feiras de manhãs. Mãos dadas. Ou, em casa, andando em cima dos pés do pai, passo
curto, junto. Aprender a dançar na sala e aprender a caminhar no mundo com
vestido feito por mãe.
Dança. Como esse passo que aprendo todos os
dias. Como a flor da minha pele desabrochando orvalhada, azul, em manhã de
dezembro. Como tudo que me lembra de mim, confiando e seguindo, dando jeito de
sorrir. E quero seguir esperançosa em sonho recém-nascido, partilhado.
De todos os sentidos, quero o céu, aquele, o
azul. O que está em cima da casa da Rua José do Patrocínio. Chegar na calçada
antiga e ouvir o chiado da panela de pressão e o cheiro de feijão. Mãe
esperando na cozinha. Limonada do pai em copo de metal pra conservar frescor e
amor.
Frescor. Como essa missão que defendo enquanto
vivo. Leveza de criança, amor de família, azul de essência, profundeza,
princípio, o que me constitui, o que me faz e me refaz, o que me lembra de
continuar sendo. E quero sempre caber nesse azul, como cabe meu abraço de filha.
De todos os sentimentos, essa gratidão ao tempo
que me presenteia: mãe e pai, Cecília e Aderaldo. Cabe nesse azul do mesmo céu
que nos espia todo verde que o pai faz brotar, todas as cores que a mãe
alinhava, na mão. Cabe em nós, o carinho de sempre. Cabe em mim todo o colorir,
todo o colo-rir.
Ilustração, ensaio de aquarela de azuis e giz de cera branco - Paula Wong
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