Maria Amélia Mano
Meus meninos,
Ser tia de vocês é muito “lega” e sou
muito, muito grata. Lembro de quando chegaram. Espera de 18 meses. Barrigões
acariciados. Surpresas que me aqueceram em um maio e um junho frios de doer os
ossos. Agasalho da alma. Presente de irmãs. Meninos de olhos grandes em família
de mulheres.
Vocês dois são os espécimes com os
genes mais característicos e polêmicos da família. Jeitos de ser no mundo que,
nada cientificamente, chamarei de coisa.
Ironia do destino da tua mãe, Arthur, que vai passar por tudo que a tua vó
passou. Injustiça para a tua mãe, André, uma das pessoas mais organizadas que
já conheci. Podem rir. Já aparece aí a primeira coisa familiar: o modo de rir de nós mesmos.
E crise de riso é bem coisa nossa que destrói reunião séria,
velório, discurso. A tal capacidade de falar bobagens por horas. Sim, tolices
nos atraem. Também os mistérios, apesar de sermos essencialmente medrosos e
pouco astutos. Atrapalhados, jamais conseguimos disfarçar. Somos sempre
descobertos e castigados. Confessamos nossos crimes ao menor sinal de tortura,
basta um olhar. Por isso, o senso de impunidade não nos acompanha e eu já nem
sei se somos gente boa porque somos gente boa, ou porque sabemos que vamos nos
dar mal se não formos.
Uma coisa que vai piorando com a idade, meninos, assim como a
capacidade de criar causos, versões sempre inéditas: a chantagem emocional. Eu
sei que daqui a pouco, vocês não vão dar mais bola pra tia velha aqui, mas há um
apurado gosto pela breguice, pela tragédia com direito a choro fácil e paixões
avassaladoras que fazem a gente dizer eu te amo, facinho, facinho. Facinho também
esquecemos a resposta certa ou erramos o preenchimento do gabarito, mas lembramos
de música de cantar refrão errado, árvores de subir, bichos estranhos e
andarilhos.
Meus meninos.
Parceiros dessa raça cheia de sonhos e erros sinceros. Viajantes desses caminhozinhos
mais tortos, caóticos, cheios de tropeços e ideias incompreendidas. Misters
Simpatia, terceiro ou quarto lugares. Liguem não! Estaremos cheios de histórias,
diversão, leveza, gente, abraços. Hoje, espero por vocês para o cheiro no cangote suado depois da
brincadeira. Esperarei por seus filhos, sem pressa, sem obrigação. Torcendo que
essas nossas coisas boas também
estejam nas almas deles. Menininhos ou menininhas. Pés descalços apesar das
advertências. Que teimosia rima com alegria, delicia e é delícia nesses nossos tempos-quintais
da vida.
Com
o carinho de sempre,
Tia
Amélia
* Texto que faz parte da publicação: Santa Sede - Crônicas de
Botequim - safra 2017
Ilustração: Mónica Barengo
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