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Arvores de Rio Negro. Ronaldo Ávila, 2007. |
Ernande Valentin do Prado
De onde estou
deitado vejo toda a estrada, a entrada e a saída da ponte.
É por aqui que têm
que passar, não tenho dúvidas, essa é a rotina da família. Todas as
quartas-feiras montam seus cavalos, e seguem puxando duas mulas carregadas com
queijo. Levam à feira, depois do almoço voltam com as mulas já sem a carga que
levaram pela manhã. Sempre, desde que era menino, desde que meu pai trabalhava
para o maldito, conheço essa lida. Vão passar por aqui, a qualquer momento e
hoje os queijos vão estragar no lombo das mulas.
O sol queima meu
rosto, como se não estivesse acostumado. Os mosquitos zunem em minhas orelhas,
como se não estivesse acostumado, o tempo passa mais lentamente, como se eu não
estivesse acostumado a esperar. É só mais um dia. Depois volto para casa, alma
lavada, lavada com sangue de desgraçado, de jararaca ruim, capaz de morder e
envenenar a própria filha, os netos... alma lavado com sangue de maldito.
Tem que ser feito,
agora não tem volta. Depois, em casa, vou abraçar meus filhos, olhar o rosto de
Silvana, entregar a carabina, pela última vez, em suas mãos, cano ainda quente.
Três tiros. Só três: um no coitado do acompanhante, dois no maldito.
Fico esperando,
aqui de cima, olhando a cabeceira da ponte, por onde vão passar e lembrando dos
porcos mortos: podia ser meus filhos, podia ser Silvana... isso me dá mais
ódio, mais coragem, tira minhas dúvidas, faz eu saber que não tem outro
jeito... tem que ser feito.
- Maldito.
Tem que ser feito,
é o certo... ou Silvana não mandaria...
[Ernande
Valentin do Prado publica na Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
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