caderninho da tatuadora recifense Hannah
Voltando de Olinda encontrei um menino de uns 40 anos. Evidentemente era pessoa simples. Olhava tudo como se fosse a primeira vez. Estávamos quase entrando no avião que iria nos trazer ao Rio. Ele olhava preocupado tudo: a fila, as malas, os funcionários, a chuva lá fora, do outro lado do plástico do túnel que conecta o aeroporto ao avião.
O que precisa? eu disse. Quero saber onde está a minha mala, disse. Entreguei ela lá encima e não a vi mais.
Dai explico que essas malas são colocadas embaixo, no avião. Ele acalmou.
Dai pergunto qual o assento dele. Ele me mostra o cartão de embarque. E percebo que não sabe ler.
Encontrar um analfabeto na terra do Paulo Freire é experiência forte.
Era 3A. E lhe digo: é aqui. Do lado da janela.
Ao pousar vejo ele começar a caminhar para trás - no contrafluxo dos muitos que queriam sair em desespero - sempre se sai do avião em desespero.
Dai encontro ele de novo. Ele perguntando da mala à comissária de bordo que estava sem paciência. Acho que é a primeira vez que ele viaja de avião, eu disse a ela. E ela não mudou o rosto duro e cansado.
Dai eu disse ao menino: veja; sua mala vai ser entregue lá embaixo. Eu te acompanho. E saímos do avião. Andamos muito nesse hoje aeroporto enorme.
Você é do Recife mesmo? Não. Sou de um lugar pequenino.
Veio aqui para ficar? Sim. Um meu primo comprou um hortifruti em Inhaúma. Vou trabalhar com ele como sócio.
Tenha cuidado que aqui no Rio há muitos perigos.
Quando chegamos nas esteiras de bagagem ele fica super nervoso e vai correndo a várias esteiras. A moça tinha dito que era na esteira 9 e eu tento lhe avisar. Até que acalma.
Deixo ele na 9 e vou embora. Me viro e ele agradece e começa a perseguir as malas que rodam sobre a esteira.
Uma forma de nirvana. Uma forma de nascer ao mundo pela primeira vez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?