Maria Amélia Mano
Exausta,
se estica no chão, buscando, talvez, a alma distante da terra. Árida,
desértica, tenta escutar o rumor, o fluido, o marulho, a corrente de algum rio
subterrâneo, algum mar escondido. Fecha os olhos e quase pode ver as margens,
as conchas, a areia branca, um pouco de sol e algumas gotas de chuva, naquelas
manhãs em que tudo acontece, inclusive, um arco-íris. Não sofre por não
encontrar, por ficar no sonho, tem paciência, tem esperança. Não percebe o
tempo que passa (e quem percebe...), não percebe a noite que chega, a luz do
dia na janela que vai diminuindo, diminuindo, até toda a sala ser penumbra. Sabe,
sente, não encontra seu oásis, mas encontra descanso, sempre, e esse já serve.
Já alivia, já acaricia, já acalma, embora saiba que não é tudo. Tenta ainda,
encostar cada poro no chão, quer uma mensagem, a última, além da água que
corre, secretamente nas profundezas, assim como corre nela, corre em nós. Não
sente desconforto pela dureza ou frio pela ausência de panos. Não causa
incômodo a pouca luz, a solidão, o silêncio: assim nascem as raízes. E sabe que
erguer-se é obrigação diária, como remédio de vida, controles de tempos,
obrigações, responsabilidades, felicidades também. Mas por agora, estica os
instantes como tapete antigo já acostumado com as superfícies, as
irregularidades dos pisos, já com poeiras de passos e os passos, com poeiras de
estradas. E as estradas, elas estão lá fora, dentro dela, cá dentro, no ar, aguardando
jornadas, esperando pela próxima partida ou chegada, pelo próximo cansaço. Ela
sabe e decide seguir, com a energia do tempo de chão, com o que não teve, mas,
sobretudo, com o que tem nas mãos. Não percebe, mas perceberá. Desde o
silêncio, as raízes, e contrai sementes como quem pega uma febre, sofre de
inícios como quem começa a subir escadaria de inúmeros e imensos degraus. E, ao
amanhecer, mal percebe, a presença de brotos em si, pequenas folhas tenras, de
um verde claro brilhante, maciez, leveza, sonho novo. Sorri aos poucos,
enquanto as intuições chegam, as inspirações. Sabe que, então, encontrou parte
das águas que buscava, busca, buscará. E que deitar no chão, quando tem cansaço
e confusão será sempre esse alívio misterioso, essa chegada mágica, esse
recomeço, replantio. E agradece, ainda incompleta, sempre, mas pronta para as
próximas viagens. Agradece também por não estar pronta, por não sentir medo,
por aguar seus galhos que, agora, crescem. Sorri mais, sente, sabe, demora,
dói, sempre, mas acontece: florescerá.
Ilustração: Duy Huynh
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