para a tuninha.
Como tudo na minha vida, comecei essa história de tatuagens tarde. Aos 54 anos. Faz dois anos.
Como tudo na minha vida, esse gosto também foi exagerado. Proliferante. Amoroso. Apaixonado.
Entretanto, como quase nada na minha vida, o começo foi planejado longamente. Anos talvez. Três ou quatro anos.
Primero, a ideia de marcar o corpo. Depois, o motivo ou desenho. Depois, o lugar. Muitos devaneios. Pesquisas. Pudores.
Muito tempo foi porquinho. Queria um porquinho para lembrar da minha mãe que nos criou com um trabalho duro em açougue. E nós três, irmãos Wong Un, trabalhamos lá no açougue desde os 8 anos de idade. Só parei ao me formar médico.
Muito tempo foi porquinho. Queria um porquinho para lembrar da minha mãe que nos criou com um trabalho duro em açougue. E nós três, irmãos Wong Un, trabalhamos lá no açougue desde os 8 anos de idade. Só parei ao me formar médico.
Descobri depois que nada desse planejamento seria útil, definitivo. Que pouco controlamos. Que no instante tudo ou parte muda.
Esse planejamento demorou, ainda, meses depois de localizar alguém que tinha um estilo apaixonante. Esse foi o Boni, do Perpétuo Tattoo.
Mas.....
A primeira marca na pele não foi aquela longamente planejada mas uma de impulso. Coordenadas. Homenagem ao refugio, ao descanso, ao amor que foi se entranhando infinito e que nunca sairá de mim.
A borboleta ao lado dos números é um decalque exato do caderninho de Bogotá. Caderninho sobre García Márque. Descoberta improvável ao nos perder por ruas e ruas curvas do centro da cidade fria e bela. O Ricardo Corazón de Papel.
A borboleta amarela dos textos do Gabo. Borboletas muito amarelas que sim existem e que nos envolveram com sua energia por varias das ruazinhas de Cartagena de Índias.
Os números dessa primeira tatuagem, feita já em Niterói, me orgulham. Fui muito feliz cada vez que meu Ser coincidia com essa referência cartográfica. Muito mesmo. Chamava de colchaozinho. De meu lugar. Da minha paz. Do meu eu em paz. Nada será o mesmo depois dessa passagem amada. Feito tatuagem tudo ficou na pele. Orgulho disso.
A planejada veio em 14 de Fevereiro de 2017 - meses depois da borboleta do Gabo. Fomos três pessoas à casa studio do Boni. Ele foi muito mais que um tatuador. Ele foi um artista pleno, obsesionado pela perfeição e apaixonado pela história que contei.
Essa tatuagem foi uma homenagem ao Andrés Zevallos de lá Puente, então com 99 anos, meu ex sogro de Cajamarca Perú e um dos pintores mais talentosos e perseverantes que eu conhecera ao longo da vida - e olha que conheci uma boa quantidade nestas cinco décadas.
Juntei muitos óleos e desenhos do Don Andrés. Ele faria 100 anos em 2017. Queria algo marcante. Mas simples. Levei. Escolhemos. E o Boni fez a mágica de uma tatuagem pequena mas cheia de detalhes. Horas e horas a fio.
Na descoberta dessa experiência fomos eu, a Bia (minha filha linda e introspectiva) e a Célia (minha melhor amiga na universidade e parceira de sonhos). Mas comigo, nessas horas e horas de dor e paciência, estava toda a minha ancestralidade.
14 de fevereiro dia de São Valentim. Dia da amizade e do amor. O amor que é tão escasso. E o desenho foi surgindo. Pequeno. Intenso. Alucinado. Mediúnico.
Foi uma expedição amorosa mesmo. Começou de tarde e terminou quase à meia-noite. 7 horas de um trabalho mágico. O Boni decidiu fazer algo primoroso. De alto detalhe. E fez. A companheira dele estava orgulhosa. Ele, de olhos arregalados. Exausto e feliz, me lembrou os neurocirugiões que retiraram a minha MAV em 2014.
Bia perguntava se não doía. Dói muito, eu dizia a ela. É só pensar em outra coisa, eu ria. Mas eu estava também possuído por uma força estranha. Linda.
Celia foi a irmã e a amiga e a amada presença de sempre e nunca. Agradeço sempre. Ela foi embora de volta a Niterói por volta das 21 horas. Nós seguimos. A Bia quase dormindo. Eu nem sentia mais o braço.
Depois da Duende del Agua que Boni fez já fizeram em mim mais seis marcas - feito tatuagem. Todas tatuadoras especiais, que admiro muito. Artistas que buscam inovar nessa linguagem. Todas com significados profundos. Místicos como me disse a Ianah de Olinda. Artesanais, como faz a Hannah com uma técnica ancestral.
Feito tatuagem fica tudo no meu corpo. Eu sou um presente para o sagrado... e nesse sagrado estão os rostos de muitos e muitas. As filhas, a amada, os que sempre me cuidaram ao longo da vida, as amigas, os estudantes que me ensinam, as palavras ditas suavemente no fim de um beijo. Aquilo que sou e pelo qual serei lembrado.
Assim como fica na pele fica na alma. A pele é a extensão do espírito. Um único infinito órgão de sensibilidade e poesia.
Feito tatuagem fica tudo no meu corpo. Eu sou um presente para o sagrado... e nesse sagrado estão os rostos de muitos e muitas. As filhas, a amada, os que sempre me cuidaram ao longo da vida, as amigas, os estudantes que me ensinam, as palavras ditas suavemente no fim de um beijo. Aquilo que sou e pelo qual serei lembrado.
Assim como fica na pele fica na alma. A pele é a extensão do espírito. Um único infinito órgão de sensibilidade e poesia.
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