Maria Amélia Mano
Diz a lenda que quando
nasceu, Benjamim não chorou, deu imensa gargalhada que surpreendeu parteira. Cresceu
com olhar deslumbrado e mudava de nome a cada dia: Beijamim, Benjasmim,
Benjardim e por aí inventava e se reinventava. Para todos era, simplesmente,
Bem. Na escola, Bem dizia que as letras embaralhavam e se misturavam sozinhas no
quadro da sala de aula, formando poemas e até notas de canções que cantava e
dançava no recreio. Dizia muito, dizia mais, via muito, via mais. Intensidades.
Para o menino, a calçada de
casa tinha colorido de carambolas, nectarinas, laranja-lima, jabuticaba e romã,
conforme a estação. Na luz do poste da esquina, um mundo redondo de pequenas
estrelas que voavam, zuniam. Da janela do quarto, enxergava vulcão lilás mágico
que fabricava caminhos de lava que coloriam a terra. Dessa terra, tia Dina de
olhos brilhantes fazia cerâmica, imensas estátuas de animais imaginários saídos
de um torno que mais parecia uma mandala deitada. A mãe, também artesã,
costurava fantasias coloridas com as mãos cintilantes e fios de luz retirados
de tear suspenso no ar: te-ar.
E o mundo era assim para
Benjamim, Beijamim, Benjasmim, Benjardim até que enfim, adoeceu de intensidades.
Bem tinha um mal. E deram remédios de curar loucuras. E se curou. A calçada,
afinal, era cinza e sem cheiro ou sabor, em qualquer estação. Eram abelhas as
estrelas que voavam em um imenso enxame no alto do poste da esquina. Da janela,
via montanha com sinais de gravetos queimados, outros secos, terra de carvão. Tia
Dina de olhos cansados fazia potes, todos iguais, em série. E a mãe se
debruçava em máquina ruidosa com as mãos cheias de cicatrizes, fazia pequenos
consertos de uniformes militares.
Sem conseguir ver poesia e música
na escola, Bem não dançava no recreio e a dor do mundo exigiu a desobediência:
escondeu os remédios, cuspiu a sanidade como quem cospe um fardo. No sétimo
dia, as cores voltaram e voltaram mais intensas do que eram. Fugiu pela
janela-portal montado em cavalo marinho de vento sobrevoando as fumaças
multicoloridas cheias de purpurina. Ameaçado de cárcere de realidade, invadiu o
imenso mundo feito no poste, sentiu as primeiras estrelas voadoras queimarem a
pele e o fio dourado do te-ar prender garganta. E o menino virou favo, geleia
real, colmeia, cometa e constelação.
Benjamim,
Beijamim, Benjasmim, Benjardim voltou a cantar. Era canto de beleza, Bem,
doçura, loucura, mel que nos salva de toda essa razão sem cor, sabor, brilho,
poesia e canção.
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