Maria Amélia Mano
Sábado ensolarado, ele
acorda tarde e ainda sonolento, ouve Raul. Coloca todas as roupas sujas na
máquina e liga em ciclo de hora e meia. Mas seu tempo não chegará a tanto. Toma
banho e sai de casa rumo a padaria. Jogo rápido, pensa, e decide que vai dar
comida aos peixes na volta. Esquece o som ligado. Essas pequenices que sempre
deixamos pra depois. Trinta minutos é o tempo que tem.
Na calçada, passa por todos,
distraído e triste pela discussão da noite anterior. Esses erros bobos que
sempre cometemos. Brinca com um cão desconhecido na rua que começa a segui-lo
com o pressentimento que somente os cães, os loucos e as crianças têm. E
vem o olhar demorado da menina que passa por ele, na cacunda do pai. Ela também
sente a despedida. Falta pouco mais que vinte minutos.
Ele senta na padaria e pede
café com pão na chapa. Pensa em ligar pra ela e se desculpar. Hesita. Manda
mensagem no celular. Essas coisas valiosas que sempre desprezamos. E o cão
continua ali, cúmplice. Ele sai se sentindo melhor, com dois pacotes de
biscoitos de polvilho. Faltam dez minutos e ele demora um pouco na banca, lendo
jornal sobre OVNIS, paixão que quer explorar, um dia.
Um mendigo falando sozinho,
pede troco. Ele dá umas moedas e percebe a lágrima no pobre homem. Sente certa beleza
na alma, universo, esperança. Esse cotidiano que sempre nos avisa. O cão ainda caminha
junto, ela ainda não viu a mensagem enviada, o dia ainda é de sol. Mas, logo,
vai nublando, neblina, corridinha pra chegar em casa, chão escorregadio,
esquina, caminhão desgovernado. Agora, são segundos.
A menina que havia passado na
cacunda do pai chora sem saber por quê. O mendigo segue falando sozinho e
quando ouve o estrondo, se vira para o local do acidente. Sangue nas rodas do
caminhão, chão repleto de biscoitos de polvilho úmidos de névoa e um cão
solitário. Se olham: o louco e o cão, ambos perdidos, doídos. Seguem juntos, em
silêncio, companheiros de ruas, vidas, chuvas e términos.
E a manhã se fez infinita no
temporal. Ela recém acorda de uma madrugada longa de soluços. Lembra das
palavras duras em eco. Demora em ler mensagens. Suspira. Fecha os olhos
molhados como a rua e lê no celular a mensagem: eu te amo. Em casa, os peixes
continuam com fome, a máquina de lavar mal chega na centrifugação e Raul canta assenta a sombra sonora de um disco voador.
Em meio ao barulho da máquina, da música, da chuva,
da correnteza nas sarjetas, das buzinas, das sirenes, das pessoas em volta, do
caos, o celular dele começa a tocar, um minuto e meio depois do fim.
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