Maria Amélia Mano
Porto Alegre, solstício de verão, última
lua crescente cheiando de 2018
Em uma noite mágica, primitiva e
ancestral, na beira da fogueira, uma mulher chama a neta e, apontando pra lua,
escolhe uma semente e para ela dá nome, pela primeira vez.
Mulher e menina dormem juntas, no
calor do fogo, em um tempo em que não existiam todas as estrelas do céu, nem
mesmo o nome dos mundos, sequer as palavras, muito menos a poesia.
Para os índios mexicanos, a semente encantada
veio das mãos do “Senhor Amado”. Os índios norte-americanos diziam que nela,
havia o espírito do sangue da sábia mulher dos grãos. E os guaranis ensinam que
é preciso levá-la no coração, andando e rezando.
Mais
que isso, é preciso semeá-la na primavera pra colhê-la no inverno. Ela nasce no
solo mais pobre e cresce e alimenta animais, homens, mulheres, filhos e filhas,
netos e netas, gerações, desde antes daquela que, na fogueira na noite, ensinou
menina nome e cuidado com terra que é mãe.
Quais
sementes plantamos? Que plantas deixamos crescer? Qual a nossa arte?
O
que eu sei é pouco diante de um infinito de ciclos de luas, marés e colheitas.
Mas sei um pouco de mim e desse meu tempo. Sei de um inverno, lua minguante,
quando senti medo e dor em algum escuro de olhos que adoeceram. Sei da semana que
passou, primavera, temporal, lua crescente, fim de tarde e de dia de ofício.
Nesses
meus dois momentos de 2018, intensidade e cotidiano, lá estava ele, saboroso,
dourado, simples, feito desse grão mágico por mão de mulher sagrada que sonhou
ser mãe de menina, avó, um dia, como a ancestral da fogueira. Às vezes, com
casquinha queimadinha, essas fatias, guardadas pra mim, têm sabor de carinho no
cansaço, no cuidado e na partilha. Sempre serei grata.
Bolo
de milho da Zane
Inspiração:
Carlos Rodrigues Brandão e sobretudo, Zane, técnica de enfermagem da unidade de
saúde em que trabalho.
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