29 março 2019

O PECADO MORTAL


Ernande Valentin do Prado
Exposição na Casa de Pólvora. Foto: Ernande, 2018.

Fabíola despediu Silvia, sua empregada mais antiga. A primeira a ser contratada, quando a confecção ainda era na garagem de casa e não no imenso galpão onde é agora.
Silvia ajudou Fabíola e a fábrica de roupas a prosperar, trabalhou dia, noite, sábados e domingos. Costurava, desenhava modelos novos, escolhia cores, cuidava da qualidade, pacientemente esperando o bolo crescer, como falava Fabíola, talvez inspirada pelo pai, um cabo do exército e dizem que torturador durante a ditadura militar.
Durante a licença maternidade de seus três filhos, ordenhava o peito de noite e deixava em um frasco para sua mãe dar às crianças, num copinho, como a enfermeira do posto de saúde ensinou.
Nos últimos tempos, dizia Fabíola, a empregada já não era mais a mesma, não reconhecia suas atitudes, que sempre foram tão dóceis. Silvia vivia pedindo aumento e queria que lhe assinasse a carteira, queria receber horas extras, quando tivesse que trabalhar depois do horário.
— Reclamou até por não ter uma casa grande como a minha, porque seus filhos não estudam numa boa escola particular, como os meus. Vê se pode, Padre?
Pausou um minuto, esperando que o Padre, do outro lado do confessionário dissesse alguma coisa, mas diante do silêncio que se prolongou, acrescentou:
— Coisa de gente invejosa, não é mesmo Padre José Carlos?
Outra pausa esperando a confirmação, que de novo não veio. Então continuou:
— Inveja é pecado mortal, não é Padre?
 [Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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