Maria Emília Bottini
Envelhecer faz parte do desenvolvimento
de algumas pessoas, já outras partem em tenra idade. O corpo perde sua
vitalidade, os cabelos embranquecem, o caminhar é mais lento. É uma ilusão
achar que esta fase é a melhor idade, pois com o declínio do corpo, também a
memória é invadida pelo esquecimento e as repetições e confabulações são
comuns.
Segundo Rita Lee, em uma entrevista,
comenta que “envelhecer não é para maricas”, no que concordo plenamente. É
preciso uma dose de abandono do narciso para adaptar-se às mudanças que surgem.
Muitos idosos, num país como o nosso, enfrentam o envelhecer do corpo e da alma
de forma sofrível, acompanhado de doenças físicas e emocionais. A solidão e o abandono
também os acompanham.
Numa tarde fria de agosto assisti
ao belo filme britânico, baseado no livro de Alan Bennett, A senhora da van (2015) do diretor Nicholas Hytner. A narrativa
fílmica trata da relação de amizade entre Alan Bennett, escritor e dramaturgo
inglês, com a excêntrica idosa Mary Shepherd que vivia em sua van estacionada
na rua em frente à sua casa, no bairro de Camden Town, em Londres.
Os vizinhos, incomodados com a
presença da velha senhora, conseguem autorização para nenhum carro permanecer
estacionado na rua. Alan convida a Sra. Shepherd a estacionar seu veículo
amarelo em seu pátio e essa relação se prolonga por longos quinze anos até sua
morte. Alan transformou a história em peça de teatro com grande sucesso e
recentemente roteirizou para o cinema.
Sra. Shepherd vive sua vida da
forma que lhe convêm, mas isso incomoda os vizinhos da rua. Ela tem hábitos de
higiene pouco convencionais, mais que isso, ela é uma idosa solitária e sem
referências afetivas. Alan lhe faz perguntas e quase nunca obtêm respostas, com
isso, ficamos como espectadores sem saber o que essa senhora esconde em seu
passado. Ela é um tanto agressiva o que torna a relação distante e difícil,
muitas vezes.
A amizade aos poucos acontece na
tolerância de Alan. Ele ajuda a seu modo cometido a senhora que tem problemas
mentais e vive entre seus parcos pertences, com a memória povoada de fatos
passados a lhe torturar, sentindo culpa e arrependimento.
Quase no final do filme a história
se revela: Sra. Shepherd foi uma pianista de grande talento, tentou virar
freira e a igreja lhe podou o talento e a vida. Em sua ingenuidade comenta com
o confessor que lhe “era mais fácil tocar, que rezar”. Ao retirar a música,
retira-se a oração de sua vida e isso lhe causou sofrimento emocional imenso.
A igreja, ao retirar-lhe a música,
a pune com a impossibilidade de viver de forma sadia. Ao proibir seu talento
lhe é tolhida a vida e a possibilidade de existir; a doença mental se tornou o
caminho, sendo internada em clínica psiquiátrica por algumas vezes. A culpa é
sua companhia, a música lhe causa rejeição que a faz tapar os ouvidos. Ela
acredita ter atropelado um motociclista e troca de lugar constantemente, por
medo de ser presa.
Esse filme é simples do ponto de
vista cinematográfico, recebeu algumas críticas negativas por ser lento e moroso.
Talvez eu concorde com as críticas, mas o filme é mais que os aspectos
cinematográficos é também sua história e o que pretende tocar e contar. Nesse
caso, o envelhecimento, a doença mental em idoso, o abandono familiar e a amizade
inusitada entre um intelectual e uma moradora de rua.
A narrativa do filme precisa de
compasso lento para tocar pontos delicados da vida desses personagens que
emocionam pela complexidade da vida.
[Maria Emília Bottini publica no
Rua Balsa das 10 aos
Sábados]
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