20 abril 2019


Papel do terapeuta: ajudar que o sofrimento dos pacientes não gere negatividades e, sim, sabedoria, compaixão e luta.

Para o budismo, um grande santo, aquele ser humano que dedica todo o seu ser ao bem-estar na humanidade, quando sofre, não gera negatividades.

A paixão de Jesus é um grande exemplo. A cruz de Jesus, apesar de todo seu absurdo, tem gerado compaixão e sabedoria. Seu sofrimento tem tocado a humanidade, gerando uma onda de amor ao longo da história.

A fonte desse paradoxo está no modo como Jesus enfrentou a paixão. Sofrimento e injustiça extremos usualmente geram revolta, ódio, medo e desânimo,

É uma história antiga mostrando o pior lado do uso do poder na humanidade. Uma história que fala de muitas outras histórias. Está acontecendo repetidamente enquanto eu escrevo e você lê isso. Não foi uma paixão acidental ou inesperada. Pelo contrário, vinha sendo anunciada e percebida, na medida em que Jesus enfrentava poderes e concepções enraizadas naquela sociedade. Foi uma paixão assumida com firmeza de que a missão precisava ir até o fim, revelando a possibilidade humana de assumir seus propósitos mais sagrados sem se curvar ao medo do sofrimento. Anuncia uma potência enorme presente no humano.
“Um dos guardas ali presente deu uma bofetada no rosto de Jesus, dizendo: Esse é o modo de responder ao sumo sacerdote? Jesus respondeu: - se há algo errado no que eu disse, mostre-o; mas se não há ofensa nele, por que você me agride? ”  Violência é irracional. Quando Jesus responde ao guarda que o golpeia, vemos a razão enfraquecendo as fachadas da violência.

“Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Em um instante, o insight sobre a causa, a ignorância e a falta de autoconsciência dos responsáveis, revelando o caminho e o significado do perdão.
A morte de Jesus tem gerado uma onda de amor. Seja reconhecido ou não como santo, seu sofrimento toca a todos. Sua morte expõe as falhas humanas, mas sem esforçar para acusar ou condenar. Revela a bondade e força presentes no ser humano.
Nós profissionais de saúde cuidamos de situações, muitas vezes graves, de sofrimento. Assistimos pessoas e famílias se afogarem em negatividades. Rancores, paralisia e quebra de laços de solidariedade. Mas assistimos também pessoas e famílias tornarem o sofrimento como força de solidariedade, sabedoria e empenho na reorientação do viver.
Não somos apenas assistentes do teatro da vida humana. Podemos interferir fortemente em suas tramas. Como poucos, temos acesso à intimidade dos dramas e sofrimentos. Nossas palavras e gestos têm acolhimento especial nessas situações. Inspirados na potência revelada por Jesus diante de sua dramática paixão, podemos colocar, como nossa missão terapêutica, o tornar o sofrimento de nossos pacientes fonte de sabedoria, solidariedade e garra de superação dos problemas familiares e comunitários. Fazer com que seu sofrimento não seja fonte de negatividades que afogam.
A fé na potência humana, inspirada em Jesus, nos ajuda acreditar que as duras situações que acompanhamos podem ser superadas. E que, para além dos sofrimentos e morte, há ressurreições. Com essa fé e esse propósito, podemos ir aprimorando nossos gestos e palavras para contribuir no processo de redenção da inteireza humana nos momentos mais difíceis da existência, mas que têm tanta repercussão na vida comunitária e nas histórias familiares. Quem já viveu isso, sabe disso.
Essa é uma das principais missões espirituais do trabalho em saúde.

Eymard Vasconcelos, Pascoa de 2019.
Inspirado em texto do monge Laurence Freeman, da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã (
http://www.wccm.org.br/ )

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