Maria
Emília Bottini
Adoro
a literatura infantil. Talvez a menina
que mora em mim ainda encontre sentido, remonte um tempo que passou.
Preparava
uma palestra sobre leitura para um grupo de pais sobre a importância dos livros
na vida dos filhos e o papel fundamental em estimulá-los à leitura, mesmo que a
estes não lhe tenha sido vasta. Refletindo e pesquisando materiais e zapeando
encontrei uma reportagem na TV Cultura em homenagem ao dia Nacional do Livro
Infantil que ocorre no dia 18 de abril, data esta escolhida em homenagem ao
escritor Monteiro Lobato. Para debater o assunto ouvi o premiado escritor de
literatura infanto-juvenil Pedro Bandeira e a neuropsicóloga Adriana Fóz. Enquanto
assistia aos entrevistados, chamou-me a atenção presença da boneca Emília que
dava seus pitacos na conversa, deixando a entrevista com cara de infância.
Enquanto
ouvia muitas memórias povoaram minha mente, pois fui assídua espectadora do Sítio
do Pica-pau Amarelo, adorava passar os finais de tarde acompanhando as
aventuras com Visconde de Sabugosa, da Emília, da Narizinho, do Pedrinho, da Nastácia,
da Dona Benta, do Marquês de Rabicó e outros tantos.
De
todos esses personagens eu gostava mesmo era da boneca que virou gente; era
muito irreverente, cheia de ideias, crítica, tagarela, mandona e, por vezes,
filósofa. Acabei de ver a reportagem e fiquei pensando no quanto aprendi lendo
livros ao longo da minha vida. Não resisti e passei na Biblioteca Municipal e
retirei alguns livros de Monteiro Lobato.
A essa altura da vida contém outro sabor, mas ainda assim me fazem
refletir.
Comecei
a leitura despretensiosa, apenas saboreando cuidadosamente as folhas amareladas
a marcar o tempo que passa também para o livro em Memórias da Emília e Peter Pan escrito em 1936. Nas páginas
iniciais Emília resolve escrever suas memórias. A boneca define que as
“Memórias são a história da vida da gente, com tudo o que acontece desde o
nascimento até o fim, o dia da morte”. Ela solicita ajuda ao Visconde para ser seu
secretário e faz algumas exigências quanto ao papel e a tinta; ocorrem algumas
discussões até que se iniciam os registros. Li e reli o trecho que transcrevo abaixo,
pois ele me impactou nessa pequena conversa entre Visconde e Emília.
- “E como sou filósofa
- continuou Emília - quero eu que minhas Memórias comecem com a minha filosofia
da vida.
- Cuidado,
Marquesa! Mil sábios já tentaram explicar a vida e se estreparam.
- Pois eu não me
estreparei. A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é
começa a piscar. Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e
fechar os olhos – viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que
dorme e não acorda mais. É portanto, um pisca-pisca.
O Visconde ficou
novamente pensativo, de olhos no teto.
Emília riu-se.
- Está vendo como é
filosófica a minha idéia? O Senhor Visconde já está de olhos parados, erguidos
para o fôrro. Quer dizer que pensa que entendeu... A vida das gentes neste
mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia.
Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e estuda; pisca e ama; pisca
e brinca; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim pisca pela
última vez e morre.
- E depois que
morre? - perguntou o Visconde.
- Depois que morre
vira hipótese. É ou não é?
O Visconde teve que
concordar que era”.
A
vida se traduz na fala simples de Emília. Nesse pequeno trecho, Monteiro Lobato
quer nos fazer refletir sobre a vida que começa e termina, quer queiramos ou
não. Não sabemos quantas piscadas teremos entre os tantos dorme-e-acorda
frenéticos, agitados e imperceptíveis, mas é preciso encontrar sentido entre um
piscar e outro. Sentido esse que cada um terá que encontrar, mesmo lendo livros
amarelados pelo tempo, mas que ainda continuam a ressoar a provocar a tal ponto
de passar adiante provocando outros a pensar também.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados]
Ai que estas falas são ricas de tudo! grata por esta leitura!!! fez-me muito bem!
ResponderExcluirMaria Lúcia, obrigada pela leitura e carinho. Abraços.
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