Maria Amélia Mano
Isabel que gostava de
contas e coral, que observava estrelas, que chamava pássaros, que dançava
descalça, que chorava em silêncio, que caminhava sem luneta e bússola, sem
rumo, em ronda, em rima que fazia. Que dava pra todo mundo. Que vivia entre céu
e mar, olhar azul. Que tinha cores de areias e dores na roda da saia, do porto
que era ponto. Ofício e sustento.
Isabel de saia rodada,
saia-vela que voava como se vento viajante soprasse no oceano. Bailava
aquática, aérea, etérea, eterna em lenta coreografia, leve dança, movimento de
nuvem e nado, passo de quem vai passar, de quem vai passear, pousar. Que era
inteira, intensa, suspensa, salgada, lágrima em correntes quentes, corda bamba
entre mastro e profundeza abissal. Esquina e cais.
Isabel ia, saía de saia em
dança de medusa sem medo. Sentia, sofria, sabia flutuar, boiar, bailar com
graça de gaivota que sobrevoa convés e beira d’água. Fazia redemoinho, mas não
se molhava. Amava como se beijar fosse e não beijava, como se mergulhar fosse e
não mergulhava. Sem lema, leme, remo, seguia, sereia, ameaçava, enganava,
sugeria, seduzia, provocava. Dava preço.
Isabel evocava cardumes e
deuses perdidos em navios naufragados com simples toque e sopro. Mirar.
Carícia, carinho marinho, espuma de onda na praia. Barra da saia, barrado,
babado, bordado, renda, fenda expondo pele, púbis, sinais, seios, búzios,
beijos e algas. Algo das brisas e tempestades. Marcas, cartas, mapas de
mergulhos, marulhos, maresias, navegares, âncoras, tatuagens. Cicatrizes da
noite.
Isabel que se vendia, se
esqueceu de si, da saia, se cortou em proa e pulso. Se esvai sangrando,
esguichando, espalhando resto, ruge, riso, purpurina, sonho e coração. Fecha os
olhos azuis como flor de fim de tarde. Luz de farol apagando, sol indo cor de
romã. Fruta que colhia menina pra ter sorte na vida e no amor, em tempo de
barco de papel, brincadeira, inocência e alegria. Um dia.
Texto para a Oficina Santa Sede Circuito
Texto para a Oficina Santa Sede Circuito
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