Maria
Emília Bottini
A amizade é um sentimento que nutrimos por
outras pessoas. Muitas vezes não sabemos explicar por que nos afeiçoamos de
forma tão intensa, o fato é que as vezes algumas pessoas nos acompanham por
toda a vida e outros ficam conosco apenas por um breve percurso.
A amizade se explica quando valorizamos
estar na companhia um do outro na maior parte do tempo, quando aceitamos um ao
outro como somos, confiamos que agirá em seu melhor interesse, respeitamos os
julgamentos do outro; ajudamo-nos e se apoiamo-nos; compartilhamos
experiências, entendemos um ao outro e sentimo-nos livres para sermos nós
mesmos no relacionamento. Tenho alguns amigos que espero que sigam comigo por
longo tempo ainda. Há os de longa data e os de momentos mais recentes, são meus
bens precioso que gosto de manter como joias preciosas a me ajudar nos caminhos
do viver.
Enquanto escrevo essa crônica recebo a
notícia de que uma amiga faleceu em Brasília, como era idosa e vivia sozinha,
uma pessoa de sua relação me solicita ajuda para encontrar parentes, pois corre
o risco de ser sepultada como indigente, isso me deixou um tanto triste nessa
manhã de abril.
Minha amiga não tinha uma relação muito
amistosa com sua família que era composta apenas por sobrinhos, que nunca
conheci, portanto não pude ajudar. A questão que fica é que se não tinha boa
relação com os familiares por que os bens agora importam?
Dia desses acompanhei meu pai a uma visita
a um amigo que conheceu nos idos da mocidade, quando morava na roça e era
agricultor. Nesse dia meu pai encontrou um parente de seu amigo que lhe contou
que este senhor está próximo de fazer cento e quatro anos, uma vida longa. Meu
pai se dando conta que o tempo lhe escorre pelas mãos e que ele finda, resolveu
visitá-lo.
Como humanos, somos muito preocupados em
julgar, pré-conceber opiniões que ferem e maltratam muito quem as recebe.
Talvez o que aprendi naquele dia não esteja em livro algum, mas sim na
simplicidade do encontro de vidas.
A experiência foi muito rica para mim ao
ver tão somente dois homens velhos a se encontrarem, suas cores não contaram
naquele encontro assim como não contou na vida inteira. Eles se estimavam, se
respeitavam. Embora a cor demarcou os lugares em que cada um transitava e
habitava.
Ao chegarmos a sua casa, aguardamo-lo se
aproximar lentamente auxiliado pela neta, pois a idade já não lhe permite um
bom equilíbrio, veio pacientemente passo a passo. Nesta idade para que a
pressa? Quando meu pai se apresenta ele se emociona e lhe dá um abraço longo daqueles
da vida inteira.
Dois homens idosos frente a frente, antes adolescentes
que jogavam bola em um campo que não era em linha reta, era ondulado, ao lembrarem
disso riem. Dois homens sentam para contar causos da vida que passou. Lembram de
um passado distante em vários sentidos.
As memórias falham em rememorar nomes e
sobrenomes, mas isso pouco importa, o que importa é que a vida tem desses
momentos em que podemos nos reencontrar e de alguma forma nos reconectar com
aquilo que foi vivido e guardado com afeto e respeito para além das cores que
habitam cada corpo. Afinal, o que importa diante da velhice que se aproxima do
fim? Certamente, saber do vivido.
O amigo de meu pai veio de Estrela, muito
jovem, para trabalhar nas terras de homens brancos que falavam alemão e
italiano, mas ele analfabeto, aprendeu a se comunicar nas duas línguas. Que
força é essa que dimensiona nosso aprender? Homem simples que trabalhou de sol
a sol a carpir a terra alheia, que dobrou milho, apagou fogo, roçou, cortou
lenha no sol, na chuva, no frio evidente que não eram as melhores condições de
trabalho, hoje seus pulmões cobram o preço desses esforços, mas fora isso está bem
diante a idade avançada.
Meu pai lembra que um dos patrões deste
senhor era uma pessoa sovina ao ponto de cortar a sua parte do queijo e guardar
o restante na mesa que tinha gavetas para que ninguém mais, além dele, comesse.
Certamente não levou para o caixão o tal queijo. Que lástima tal atitude que
não mostrou sua grandeza, mas sim sua pequenez.
O amigo de meu pai, no meio da conversa, lembra
da sua esposa com saudade comprida de quem alimenta uma certa esperança de
reencontro. A esposa já morreu há dezoito anos, mas ainda vive em sua memória o
amor que sentiu, hoje a fazer-lhe falta.
A visita não demorou muito, apenas o tempo
suficiente para perceber que a amizade não tem cor, tem sentimentos que
alimentam a jornada da existência com mais cor.
[Maria
Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados]
Esse texto é muito bonito.
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