24 agosto 2019

ENQUANTO FLORESCEM AS CEREJEIRAS...




Maria Emília Bottini
Hanami Cerejeira em Flor (2008), de Doris Dörrie é uma produção alemã e francesa. “Da morte nada sabemos” escreve Rubem Alves, de fato pouco ou nada queremos saber deste assunto dolorido e difícil. Esse filme nos faz refletir sobre a vida que vivemos ou tentamos viver.
Frudi é casada com Rudi, homem que cumpre o ritual de trabalhar diariamente. Frudi tem uma conversa com o médico do marido que lhe dá o diagnóstico de que o amor da vida inteira está com os dias contados.  No entanto, opta por não dividir com ninguém a notícia e sofre a dor de saber da finitude anunciada; enfrenta a notícia com dificuldade para dormir e choro frequente.
Ela propôs ao marido uma viagem ao Japão para ver o filho. O marido, mesmo contrariado, aceita fazer a viagem, mas primeiramente vão para Berlim visitar os outros dois filhos. Kraul é casado com Ema e tem dois filhos, Celine e Robert. Ao chegaram à casa do filho, os netos não dão a menor atenção aos avós, apenas seguem jogando vídeogame e manuseando seus celulares. A neta deve emprestar seu quarto para os avós dormirem e é claro que isso não lhe agrada.
A filha Karolin se irrita em saber que seus pais foram visitá-la, pois está sem tempo para eles e pede a sua parceira Franzi que faça as honras e lhes apresente a cidade. Quando se encontram é bastante deselegante com sua mãe. O casal resolve passear de metrô e apresentam dificuldades com os bilhetes por conta das novas tecnologias, pois não há alguém para vender os bilhetes, somente uma máquina. Rudi diz para a esposa que deseja ir para casa, visto que seus filhos não tem tempo para eles e se sentem incomodados com suas presenças. Ela convida seu marido para irem à praia antes de voltarem para sua casa. Na praia conversam sobre o tempo, a vida, os filhos e a decepção de como estão sendo tratados por eles.
Ao retornarem ao hotel, Frudi morre silenciosamente ao lado do marido, que fica desolado. Os filhos ficam incomodados com o fato, pois não sabem o que fazer com o pai agora viúvo. Ele decide ir para casa e por lá sente o impacto de estar só e com as lembranças da mulher a quem nem sempre entendeu ou atendeu seus desejos. Decide visitar o filho no Japão conforme o desejo de sua esposa. O filho se sente invadido e atrapalha-se com a presença do pai, fala ao telefone com a irmã e comenta que estaria ficando louco com a presença dele em sua casa; o pai ouve toda a conversa, mas o filho não percebe.
Rudi faz algumas incursões sozinho pelas ruas do Japão deixando lenços amarrados para encontrar o caminho de volta. Encontra-se com Yo, uma jovem dançarina de Butô - uma dança que surgiu no Japão no pós-guerra - explica que é a dança das sombras, que dança com a mãe, falando ao telefone enquanto dança, pois sua mãe passava muito tempo telefonando para amigos e parentes. A partir de então, encontra-se com Yo frequentemente construindo uma bonita relação de amizade e cumplicidade. Rudi, em seus passeios pela cidade, sai vestido com as roupas da esposa e lhe mostra a cidade que desejava tanto conhecer. Cenas de sensibilidade e de profundo amor ao tempo vivido juntos.
O filho não tem tempo de visitar com o pai o Monte Fuji, então o pai faz o passeio com a amiga Yo. Se hospedam num hotel em frente ao monte, e por vários dias esperam diante da janela, porém nada pode ser visto na montanha tímida que não quer se mostrar encoberta pela neblina. Rudi adoece e permanece alguns dias deitado, certa noite ao levantar-se o Monte Fuji apresenta-se lindo, iluminado pela lua, ele vai até a beira do lago e dança butô com as sombras de sua amada introjetadas dentro de si. Cena de impacto intenso sobre nossas emoções. Momento de encontro com o amor que se foi, o amor da vida inteira, e através dos movimentos da dança deixa-se levar pela morte.
Seu filho é avisado da morte do pai e realiza a cremação.
E as cerejeiras em flor onde ficam neste filme? Bem, estão presentes em todos os caminhos pelos quais Rudi percorre no Japão. Sua flor é bela, simples e breve e deve ser apreciada sua presença e beleza intensamente, talvez nos lembrando de que tudo o que temos em uma vida é efêmero e se perde no ar.
Hanami, cerejeira em flor, nos fala da morte e do viver, da relação com os filhos ocupados demais com suas vidas, com trabalhos, com namoros, com os recursos tecnológicos, com o viver nem sempre cheio de sentido; ocupados demais para dar atenção aos pais que estão nas portas da morte, porém responsáveis por trazê-los à vida. Um filme para refletir e pensar sobre nossas vidas enquanto as cerejeiras fazem flores.


[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 


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