23 agosto 2019

A VERDADE EXISTE


Ernande Valentin do Prado

UNIR, Porto Velho. Ernande (2019)
Quando alguém me pára na rua e pede uma informação: 
Onde fica a Rua Monsenhor Magno?
Por exemplo, mesmo que eu não faça ideia da resposta, que não saiba onde é a rua ou quem foi o tal Monsenhor, páro, presto atenção a pergunta, faço cara de que está interessado e preocupado em ajudar. 
Se precisar dizer:
Não sei,
o que volte e meia acontece, antes pergunto:
que lugar está procurando, perto do que?
E se mesmo assim eu não puder ajudar, ao menos a pessoa saberá que não foi por má vontade. 
Aprendi a fazer isso porque me sinto muito mal quando preciso perguntar alguma coisa para um desconhecido. Quase sempre, infelizmente, percebo que as pessoas não querem responder, quase sempre não querem nem ao menos ouvir a pergunta.  Pergunto e quase sempre adivinho a respostas: 
Eu não sou daqui.
Quer dizer, não é bem assim, não em todo lugar. Isso das pessoas não saber a resposta, seja qual for a pergunta, é específico de João Pessoa, na Paraíba. Uma vez, na Praça da Lagoa, estava comendo uma deliciosa e gigantesca tapioca de queijo coalho com banana. Percebi que não ia dar conta de comer tudo sozinho, virei para o lado e fui oferecer um pedaço para o rapaz sentado por ali. Antes de perguntar qualquer coisa, ele disse:
Eu não sou daqui, pergunte no ponto de táxi.
As respostas para pedidos de informações variam conforme a região e o estado. Por exemplo, em São Mateus, no Espírito Santo, as pessoas quando são paradas e questionadas sobre um endereço, não se contenta em só informar onde é a Rua tal. Elas vão contigo até o endereço que você procura.
Em Itajaí, Santa Catarina, as pessoas não apenas vão contigo até o endereço que você procura, elas querem te carregar no colo até o local. Já em Salvador, na Bahia, as pessoas na rua se ofendem se você lhes fizer uma pergunta. É como se você tivesse a obrigação de conhecer cada palmo de Salvador, mesmo que nunca tenha estado lá.
Certa vez fui xingado por uma pessoa, ao lhe perguntar onde ficava a rua General Labatut, 273, Bairros Barris.  E todas as outras pessoas com quem falei, me fizeram ir para o lado contrário a rua que eu procurava, que estava a menos de cem metros de onde parti. Já cansado de rodar e com medo de fazer novas perguntas, parei em um barraca de água de coco, comprei um, que estava quente. Pensei:
tudo bem, eu só quero puxar conversar e perguntar sobre a Rua do tal general... 
Furei o coco eu mesmo, que a senhora vestida de baiana do acarajé estava com o braço machucado. Sentei e perguntei:
a senhora sabe me dizer onde fica a Rua General Labatut, no  Barris?
E ela disse:
sei não, meu filho.
Em Recife, se a pessoa questionada não tem a resposta, ela mesma procura alguém que saiba e só vai embora quando encontrar alguém para te dar a informação que ela não deu.
Dúvida que seja assim, em cada uma destas cidades?
Tudo bem, você está certo. 
Não é assim, não tem como ser assim. Ou melhor,  até pode ser, o que não é possível é a afirmação de que é assim e pronto. A minha experiência pessoal, mesmo não sendo mentirosa, não define que as coisas sejam assim ou assada. Não posso afirmar que a terra é plana simplesmente por causa da superfície da cidade de Porto Velho, em Rondônia. 
O que de fato me convenceu que em Itajaí as pessoas são como eu disse que são, foi uma experiência de três dias na cidade. No Espírito Santo foram seis meses e mais umas cinco boas experiências. A informação que tenho sobre a pouca disponibilidade dos soteropolitanos em dar informações, foi de apenas uma visita.
Entende que essas vivências e essas amostragens são muito pequenas para permitir dizer que as coisas são como eu disse  ou quero que sejam?
Vivemos um tempo em que a vontade e os desejos de algumas pessoas (em pontos chaves de poder), são automaticamente verdades absolutas por suas próprias vontades. Parece que essas pessoas falsas, mentirosas, desequilibradas e de má fé, acreditam que só  porque têm como  lema:
 “conhecei a verdade e a verdade vos libertará”,
todas as mentiras e delírios se tornam verdades. Não tornam.
A verdade existe (embora nunca absoluta) e não é formada apenas por opiniões, sentimentos e desejos. Fatos, números, fotografias, imagens de satélites, estudos científicos, experimentos, mostram que a terra é redonda e não há como a opinião de um ou dois ou dois milhões de terraplanistas façam isso deixar de ser verdade. 
Não há como o sentimento e o desejo de Bolsonaro desmentir as imagens de satélites do Instituto Nacional de pesquisas espaciais (INPE), ele pode no máximo desmentir o presidente do INPE e contratar, com dinheiro público que faz falta em outras áreas essenciais, uma empresa para moldar os dados a sua imagem e semelhança, mas não pode forjar a verdade.

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]


Nenhum comentário:

Postar um comentário

O que tem a dizer sobre essa postagem?

Postagem mais recente no blog

QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?

                ? QUAL O MOTIVO DA SURPRESA?   Camila chegou de mansinho, magra, esfaimada, um tanto abatida e cabisbaixa. Parecia est...

Postagens mais visitadas no blog