Maria
Emília Bottini
Essa semana estou incomodada e o que me
incomoda vira crônica. Via de regra, minha escrita parte do que me afeta e não
de datas marcadas pelo calendário. Não escrevo para dias comemorativos, não
escrevo para o Papai Noel e para os Coelhos da Páscoa e muito menos para o dia
das mães, dos pais ou da mulher. Tão pouco escrevo sob pressão ou sobre temas
específicos, eles brotam no geral do cotidiano em que estou inserida.
Muitos pequenos eventos se fizeram
presentes antes dessa crônica tornar-se escrita; estive atenta a esse assunto
que foi se avolumando e tomou corpo.
Estava andando na rua e ouvi um pai
falando, ao seu filho adolescente, que foi ao banco e tinha mais de quinze
idosos na sua frente para serem atendidos, “parece que não tinham o que fazer”.
Esse senhor falou com certa indignação por este fato. Ele estava no banco
também não tinha o que fazer? Por que entendemos que pessoas idosas não podem
estar em filas de banco e serem atendidas já que este lugar não tem placa
indicativa de idade, aliás, em poucos lugares existem restrições de idade.
Detesto ir ao banco, mas essa semana tive
que ir. Na entrada, havia três pessoas atendendo e uma fila quilométrica para
retirar uma senha para adentrar ao banco. Uns vinte e cinco minutos se passaram
até conseguir o tal papel para seguir em frente. A tal fila não tinha
diferenciação de idade, o que lamentei. Como assim? Havia muitas pessoas
esperando e algumas eram idosas que não reclamaram, mas por que nos tornamos
tão insensíveis? Por que o fato de envelhecer tornou-se banalizado? Ao
questionar, uma das atendentes respondeu “não depende de nós”, simples assim.
De quem depende? Por que estamos
esperando que “alguém” resolva o que podemos fazer? Afinal, as pessoas mudam e
não prédios. Provavelmente continuarei indo ao banco com fila quilométrica
porque pessoas não querem mudar o mínimo possível. Talvez não saibam que em
breve estarão em filas a sentir dores nos joelhos e nos quadris.
Em um grupo relativamente pequeno estou
aguardando ser atendida e ouço o relato de alguém reclamando da sogra, que
estava no supermercado e tirava suas compras do carrinho e substituía por produtos
de menores preços e que guarda copinhos de iogurte, sentindo vontade de fazer
uma limpa nas prateleiras. Pensei naquele momento, não sabemos como vamos
envelhecer e o que vamos desejar guardar e que manias vamos carregar para
enfrentar o viver.
Também me impressiona que se vá ao supermercado
com sogras. Por que não ir sozinho e dar conta de suas compras sem a
interferência de outros? Ou mesmo por que não falar que se deseja tais produtos
e que não coincidem com os da sogra? Quanto aos potes, qual o problema de
guardá-los? Não temos ideia do que eles significam e simbolizam no contexto
daquela vida. Alguém já perguntou? Posso supor que as duas cenas são muito
semelhantes: culto à falta, à escassez, às vezes alimentado por uma vida
forjada na dureza do não ter. Acumulamos para que não nos falte em breve, para
aquele momento em que não vamos ter dinheiro para as compras e os potes. Quem
guarda o que não precisa tem o que não precisa diz o dito popular. Mas na
cabeça dessa senhora quem guarda o que não precisa tem o que precisa, se
precisar.
Fui tomar um chá da tarde, adoro essa
expressão e minha colega e amiga me conta que sua mãe está com 86 anos. Estamos
nos acostumando a ouvir que pessoas estão chegando à quarta-idade. Até bem
pouco tempo atrás a média de vida da população era de 40 anos. Relata-me que não sabe como lidar com isso e
que está interessada em saber mais sobre envelhecimento e luto. A quarta idade
é novidade para todos nós que teremos muitas chances de termos idades avançadas
em nossa velhice, se tivermos uma dose de sorte e genética para isso.
Uma idosa foi a uma loja comprar roupas e
a vendedora sentiu aquele cheiro desagradável e forte de urina, não falamos
disso, mas depois de uma certa idade os esfíncteres não funcionam tão bem
quanto desejaríamos. Há cirurgias para a correção, mas elas custam dinheiro e
tempo. Como tocar neste assunto com alguém que vive solitariamente e tem a
orfandade como irmã?
Em sala de aula alguns alunos questionam a
sexualidade de idosos. Pareceu-me que motivados pelo preconceito de que nessa
fase do desenvolvimento chinelos, pijamas e casa é o lugar indicado para
estarem. Sexualidade é só para jovens? Que preconceito é esse? Evidente que
campanhas de orientação sexual são importantes, afinal, sexualidade deve ser
vivida com responsabilidade, visto os dados crescentes da AIDS.
O envelhecimento do outro é o nosso, o
idoso é um espelho que desejamos virar, afastar, deixar bem longe. Precisamos
amadurecer nossas percepções para ver que o outro sou eu a denunciar que o
tempo não tem pausa.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10
aos Sábados]
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