02 agosto 2019

VOCÊ SABE COMO FAZER UMA RODA DE CONVERSA?

Preparando a roda. João Pessoa, 2019.


Ernande Valentin do Prado
Seiko Nomiyama


A roda de conversa é uma metodologia que vem ganhando espaços cada vez maiores em ações de educação em saúde, junto à população, em atividades de educação permanente, junto aos trabalhadores da saúde, em encontros, seminários, mostras e encontros científicos.
Por isso faz-se necessário refletir: será a roda de conversa apenas uma forma de distribuir os participantes em círculo?
Se o profissional de saúde reunir a comunidade em círculo e repassar informações sobre diabetes, por exemplo, está fazendo uma roda de conversa?
As rodas de conversa são inspiradas nos Círculos de cultura pensados por Paulo Freire em seu método de alfabetização, que se popularizou a partir dos anos 50.
Segundo Carlos Brandão, o diálogo não é a razão de ser da educação e sim a própria educação.  
Então, ao pensar a organização de uma roda de conversa, lembre-se que o essencial da roda é a conversa!
O ideal, para que a conversa aconteça, é que a roda tenha entre 15 e 20 participantes. Mais gente do que isso, a roda pode acabar virando outra coisa, mesmo tendo o nome e a aparência de roda.
Claro, esse número depende da intencionalidade da roda, no entanto, seja qual for o objetivo e o assunto, o primordial é promover a conversa. Então é se perguntar: dá para conversar com até quantas pessoas de uma vez?
A roda de conversa precisa ter ao menos um coordenador, também chamado de facilitador ou mediador.
Ele deve ser escolhido entre aqueles que, além de dominar a metodologia, conheça o assunto que será tratado e consiga reposicionar a conversa quando o foco for perdido ou desviado; explicitar novas questões que forem surgindo; cuidar para que as pactuações sejam cumpridas; evitar que a palavra se concentre em poucas pessoas e vire um debate polarizado; e, por fim, que consiga ir amarrando as pontas da discussão e promover encaminhamentos.
O papel do coordenador não é o de dar respostas, mas sim, facilitar a conversar para que as reflexões sejam elaboradas coletivamente.
Além do coordenador, a roda pode ter um ou dois convidados para contribuir com a conversa. Estes devem compreender a metodologia e aceitar que não devem protagonizar a discussão e sim contribuir com problematizações que levem a roda a se sentir provocada a produzir reflexões coletivas.
Para que a roda flua, é necessário ter também outras pessoas contribuindo com a condução. Por exemplo, a depender do assunto e do tamanho da roda, pode ser necessário uma pessoa para fazer as inscrições e garantir a ordem das falas; e outra para controlar o tempo de fala de cada participante.
O ideal é que não fosse necessário controlar o tempo de fala, no entanto, nem todas as pessoas percebem que seu tempo de fala pode silenciar o outro.
A relatoria, muitas vezes negligenciada, é uma importante função, principalmente quando ao final da roda é necessário fazer encaminhamentos e recomendações.
Com exceção do coordenador, que tem a maior responsabilidade e deve dominar a metodologia e orientar os demais, todas as outras funções podem ser exercidas pelos participantes da roda. Aliás, o ideal é que a pessoa que fará a inscrição e a que controlará o tempo de fala, sejam sempre escolhidas entre pessoas de fora da organização da roda ou do evento.  
É importante que o coordenador conduza a roda de forma apropriada, assim os participante saberão o que esperar. Antes mesmos das apresentações, algumas pactuações já podem ser feitas:
Horário de início e fim da conversa.
Escolha das pessoas que irão contribuir com a condução da roda.
Tempo de fala em cada inscrição.
Quase sempre pedidos de aparte, falas sem inscrições, tempo maior de fala para explicações por parte de “autoridades”, são armadilhas que devem ser evitadas para não se perder a horizontalidade da Roda.
Todas essas orientações não substituem o olhar atento do coordenador. Todos os aspectos de uma roda podem e devem ser planejados, mas não podem ser controlados com exatidão. Cada roda é uma experiência a parte e pode fluir de diferentes maneiras, mesmo discutindo o mesmo tema. Isso por conta das vivências de cada participante, o que é uma riqueza inestimável que deve ser preservada, e só será se o coordenador estiver centrado em sua função de facilitar a conversa.
Roda de Conversa, pressupõe que as pessoas estejam em círculo, é claro, mas só isso não basta, nunca bastou. Organizar a sala, dispor as cadeiras em círculo, de modo que todos e todas possam olhar um para o outro, é extremamente importante. Assim como é importante que o local tenha boa acústica, temperatura e iluminação adequadas, número exato de cadeiras para formar apenas um círculo e decoração apropriada.
Tudo isso é importante, no entanto, a Roda de Conversa tem como objetivo primordial a promoção de diálogo, o que quer dizer que todos que queiram, possam falar.
Enfim, fazer uma Roda de Conversa não é o mesmo que acomodar pessoas em círculo para ouvir uma palestra ou para falar espontaneamente sobre suas experiências. Ela é tão simples quanto potente, no entanto, para que funcione, precisa ser pensada como uma metodologia, com passos e papéis definidos para atingir determinados objetivos, que precisam ser planejados com antecedência.  
Então, já tinha pensado em todas as implicações de uma roda de conversa?
Para melhorar e aprofundar os conhecimentos sobre a roda de conversa, pode começar lendo as obras de Paulo Freire.


REFERÊNCIA

BRANDÃO, C. R. Circulo de Cultura. In: STRECK, D. R.; REDIN, E; ZITKOSKI, j. j. (Org.). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
BRANDÃO, C. A educação popular na escola cidadã.  Petrópolis: Vozes, 2002.
PRADO,E. V. Tenda Paulo Freire no FENAGEP. (vídeo) Disponível em:  Acessado em: 21 nov. 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. São Paulo: Cortez/IPF, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.  

 Esse texto foi originalmente produzido para Série SUS. Foi adaptado para o Rua Balsa das 10 Colaborarão no texto: Islany Alencar e Eymard Mourão Vasconcelos.


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

4 comentários:

  1. Roda de conversa é massa!

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  2. Gostei bastante do texto - claro e objetivo. Foca em aspectos práticos a serem considerados quando nos propomos a utilizar a roda de conversa como instrumento no processo de aprendizagem. Realmente a relatoria é muito importante - as vezes conduzimos bem o encontro mas deixamos de sumarizar o que foi discutido ... acabamos saindo com a impressão que as "ideias ficaram soltas". Parabéns aos autores.

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  3. Muito bom o texto. De fato as pessoas muitas vezes fazem toda de conversa sem saber o significado a didática e a metodologia e logísticas que envolvem. O texto demonstra bem esses aspectos.

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  4. Ótimo texto, aborda aspectos fundamentais. Muitas vezes vejo o termo "roda de conversa" utilizado de maneira equivocada.

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