30 julho 2019

BABY GABI


Maria Amélia Mano



Comigo vai tudo azul
Contigo vai tudo em paz

Caetano Veloso

Você precisa saber da penicilina, da benzatina, da procaína, da cristalina. Por muito tempo era impossível ouvir Baby sem lembrar dos tempos de faculdade, virar noites, inventar músicas pra memorizar conteúdos. Impossível não lembrar de Gabriela. Gabi era diferente não só por ter um Monza, usar decotão, cílio postiço, andar sem calcinha, ser macumbeira ou chegar sempre atrasada na aula, não. Gabi era energia, personalidade, jeito, carisma.

E melhor, Gabi gostava de mim. Logo eu, um ser comum, que borboleteava entre o meião e o fundão da sala. Com ela, entrei de penetra em formaturas que não éramos convidadas. Foi ela que me ensinou a tomar uísque e a dançar bêbada sem parecer bêbada. Comer xis em trailer às seis da manhã. Me apresentou aos melhores inferninhos: os populares, os proibidos, os inusitados, os que metiam medo e os que dançávamos até fechar.

Gabi ficava até o fim da festa, mas não se gastava fazendo coreografias bobas. Enquanto eu dançava na boquinha da garrafa ou debaixo da cordinha (algo improvável hoje, com a minha cervical), Gabi nem se dobrava. Preferia quebrar o pescocinho pro lado e fazer carinha de quem tava gostando demais. Sem muito esforço pra sensualizar. Sempre sorrindo, olhando pra algum lugar longe. Acima de tudo e todos.

Formatura, realidades nos separaram. Enquanto eu me virava pra me sustentar, ela tirava um ano sabático. Depois, teve encontro de cinco anos da turma. Gabi não foi. Estava com hérnia de disco. Sim, hérnia. Depois, nos dez anos, também não foi. Estava prestes a parir o terceiro filho. Sim, terceiro. Nos quinze, recém tinha assumido um concurso público na mesma cidade dos pais. Interior. Longe. Não deu.

Esse ano fizemos vinte anos de formadas. Gabi soube de pequena vitória minha, deu parabéns. Disse que sempre sabia quem eu seria. Voltei à madrugada de julho nada tropicalista da véspera da prova de farmacologia, penicilinas, cefalexinas, músicas. Há quanto tempo. Você precisa saber de mim. Precisamos saber de nós. Eu que não tinha ideia de quem seríamos. Só que faríamos escolhas de alma e coração. Sejam elas quais fossem.

E fizemos. Mutantes e psicodélicas. Sempre.

Texto para a Oficina Santa Sede - Circuito


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