Maria Amélia Mano
Comigo vai tudo azul
Contigo vai tudo em paz
Caetano Veloso
Você precisa saber da
penicilina, da benzatina, da procaína, da cristalina. Por muito tempo era
impossível ouvir Baby sem lembrar dos tempos de faculdade, virar noites,
inventar músicas pra memorizar conteúdos. Impossível não lembrar de Gabriela.
Gabi era diferente não só por ter um Monza, usar decotão, cílio postiço, andar
sem calcinha, ser macumbeira ou chegar sempre atrasada na aula, não. Gabi
era energia, personalidade, jeito, carisma.
E melhor, Gabi gostava de
mim. Logo eu, um ser comum, que borboleteava entre o meião e o fundão da sala.
Com ela, entrei de penetra em formaturas que não éramos convidadas. Foi ela que
me ensinou a tomar uísque e a dançar bêbada sem parecer bêbada. Comer xis em
trailer às seis da manhã. Me apresentou aos melhores inferninhos: os populares,
os proibidos, os inusitados, os que metiam medo e os que dançávamos até fechar.
Gabi ficava até o fim da
festa, mas não se gastava fazendo coreografias bobas. Enquanto eu dançava na
boquinha da garrafa ou debaixo da cordinha (algo improvável hoje, com a minha
cervical), Gabi nem se dobrava. Preferia quebrar o pescocinho pro lado e fazer
carinha de quem tava gostando demais. Sem muito esforço pra sensualizar. Sempre
sorrindo, olhando pra algum lugar longe. Acima de tudo e todos.
Formatura, realidades nos separaram. Enquanto eu me virava pra
me sustentar, ela tirava um ano sabático. Depois, teve encontro de cinco anos
da turma. Gabi não foi. Estava com hérnia de disco. Sim, hérnia. Depois, nos
dez anos, também não foi. Estava prestes a parir o terceiro filho. Sim,
terceiro. Nos quinze, recém tinha assumido um concurso público na mesma cidade
dos pais. Interior. Longe. Não deu.
Esse ano fizemos vinte
anos de formadas. Gabi soube de pequena vitória minha, deu parabéns. Disse que
sempre sabia quem eu seria. Voltei à madrugada de julho nada tropicalista da
véspera da prova de farmacologia, penicilinas, cefalexinas, músicas. Há quanto
tempo. Você precisa saber de mim. Precisamos saber de nós. Eu que não tinha
ideia de quem seríamos. Só que faríamos escolhas de alma e coração. Sejam elas
quais fossem.
E fizemos. Mutantes e
psicodélicas. Sempre.
Texto para a Oficina Santa Sede - Circuito
Texto para a Oficina Santa Sede - Circuito
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