Maria Amélia
Mano
Boa noite! Dona Amélia? Tem um caminho de preferência ou
posso seguir o GPS?
- Em trezentos metros vire a esquerda na Avenida Venâncio
Aires.
Tem uma rádio de sua preferência? Prefere que eu ligue o
ar? Ah, sim. Prefere o vento.
- Agora, em vinte metros, vire à esquerda na Rua Dr.
Sebastião Leão.
Parece um bar bom esse. Ah, é pra escritores? Então, também
escrevo. Poesia. Meu sonho era escrever um livro. Escrevia até quando
trabalhava de caminhoneiro.Tem balinha de café aí.
Sabe, às vezes me vem assim, uns versos não sei de onde,
inteiros, formando uma poesia toda pronta. Cheia de rima. Não tinha como sair
da direção. Ficava doido com medo de não lembrar. A primeira coisa que eu fazia
quando parava era rabiscar tudo, em qualquer papel, de qualquer jeito. Tenho um
monte de papelzinho assim, em uma caixinha. Pro livro.
- Siga pela Avenida Jerônimo de Ornelas.
Uma vez veio verso e foi vindo, foi vindo. Cheguei num
hotelzinho pobre. Tinha nem papel. Grudei a testa no espelho do banheiro. Era
verão e o espelho ficou todo oleoso do meu suor. Foi ali, naquele espelho, que
escrevi só uma palavra. Com o dedo. Pra lembrar de tudo. Saiu sem rima.
A senhora gostou da história? Não precisa rima? Ah!
Então... essa lembrança toda já me inspirou. Dá pra senhora escrever pra mim?
Agora. Coisa pouca. Posso? Lá vai: palavra perdida na estrada, no asfalto, no
espanto que se espalha no espelho onde me vejo poeira e poesia.
- Em trezentos metros vire à esquerda na Rua Vieira de
Castro.
Gostou mesmo? É mais um papelzinho pra minha caixinha. Pro
meu livro. É à esquerda ou à direita?
- Chegamos ao destino de Amélia.
Sempre acho engraçado isso de destino. Parece fácil de
chegar. Vou esperar a senhora entrar. Se puder me avaliar, agradeço. Na
parceria, coisa de escritor pra escritor. Boa noite! Ah, me identifiquei com a
senhora. Também prefiro o vento.
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