Maria Amélia Mano
Francisco,
meu pai, sempre teve cabeça de menino de inventar histórias. Em todas, jurava
verdade como seu xará Chicó de Suassuna: não sei, só sei que foi assim. Eu
olhava nos olhos do pai. Ria e duvidava.
Uma
vez ele disse que mexeu com moça bonita em forró. Se safou do pai dela dizendo que
era amigo do poderoso Coronel Sabino. Contou que naqueles tempos e terras, os
desprotegidos batizavam seus filhos de Sabino, convidando o dito pra padrinho. Como
a desproteção era muita, quase toda família tinha um Sabino. Quase havia tantos
Sabinos quanto meninos.
Pesquisei
e o cabra existiu mesmo por aquelas bandas do Sertão Central. De família
importante, Coronel Sabino ficou no poder por mais de meio século. Imaginei os
muitos Sabinos tal qual os muitos Zacarias de Marias. As muitas Marias, mães
dos Severinos de João Cabral. Esses que pra falarem de si, precisavam dizer
mais que seus nomes. Precisavam contar suas histórias.
Pra
dar mais força e fé, juntavam nome de santo de devoção ou da paróquia da
comunidade, padroeiro ou santificado. Tipo Cícero Sabino. Se promessa, dívida
de trabalho pra vereador, enxoval pra senhor de sociedade, saúde pra médico, daí
era nome deles, pra proteger por inteiro. Convinha ajoelhar, manter olhos
sempre baixos, beijar mão. Assim na terra como no céu.
Apesar
de cabeça de pai ter branqueado inteira, ainda conta causos. Poucos, cansados,
confusos. É tanta história vivida e inventada que, às vezes, tudo se mistura.
Olho nos seus olhos. Ele continua jurando: não sei, só sei que foi assim. Eu sigo
rindo. Mas não duvido mais. Memória é sempre reinvenção. Invenção é sempre
verdade. Verdade é a que a gente acredita e quer.
Verdade
que existiu forró, moça, confusão, Coronel Sabino e centenas de Sabinos
afilhados aflitos. Severinos. Verdade que luar do sertão é o mais lindo. Verdade
imensa é que sou Maria de Francisco. É quem sempre quero ser.
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