10 setembro 2019

VIDA SABINA


Maria Amélia Mano

Francisco, meu pai, sempre teve cabeça de menino de inventar histórias. Em todas, jurava verdade como seu xará Chicó de Suassuna: não sei, só sei que foi assim. Eu olhava nos olhos do pai. Ria e duvidava.

Uma vez ele disse que mexeu com moça bonita em forró. Se safou do pai dela dizendo que era amigo do poderoso Coronel Sabino. Contou que naqueles tempos e terras, os desprotegidos batizavam seus filhos de Sabino, convidando o dito pra padrinho. Como a desproteção era muita, quase toda família tinha um Sabino. Quase havia tantos Sabinos quanto meninos.

Pesquisei e o cabra existiu mesmo por aquelas bandas do Sertão Central. De família importante, Coronel Sabino ficou no poder por mais de meio século. Imaginei os muitos Sabinos tal qual os muitos Zacarias de Marias. As muitas Marias, mães dos Severinos de João Cabral. Esses que pra falarem de si, precisavam dizer mais que seus nomes. Precisavam contar suas histórias.

Pra dar mais força e fé, juntavam nome de santo de devoção ou da paróquia da comunidade, padroeiro ou santificado. Tipo Cícero Sabino. Se promessa, dívida de trabalho pra vereador, enxoval pra senhor de sociedade, saúde pra médico, daí era nome deles, pra proteger por inteiro. Convinha ajoelhar, manter olhos sempre baixos, beijar mão. Assim na terra como no céu.

Apesar de cabeça de pai ter branqueado inteira, ainda conta causos. Poucos, cansados, confusos. É tanta história vivida e inventada que, às vezes, tudo se mistura. Olho nos seus olhos. Ele continua jurando: não sei, só sei que foi assim. Eu sigo rindo. Mas não duvido mais. Memória é sempre reinvenção. Invenção é sempre verdade. Verdade é a que a gente acredita e quer.

Verdade que existiu forró, moça, confusão, Coronel Sabino e centenas de Sabinos afilhados aflitos. Severinos. Verdade que luar do sertão é o mais lindo. Verdade imensa é que sou Maria de Francisco. É quem sempre quero ser.

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