Maria Emília Bottini
A
escrita é algo que me acompanha ao longo de minha existência: escrevia nos
livros infantis, rabiscava as capas dos meus cadernos da escola, hoje rabiscos
anotações nas capas dos livros que leio, fiz diários na adolescência, anotei
sessões de terapia que realizei, escrevi o trabalho de conclusão do curso de
psicologia, fiz uma dissertação sobre professores no Mestrado, elaborei uma
tese de Doutorado sobre o cinema, a educação e a morte que foi transformada no
livro: No cinema e na vida: a difícil
arte de aprender a morrer, escrevi crônicas durante cinco anos para o Jornal
Diário da Manhã, de Erechim – RS, e anoto diálogos dos filmes que assisto desde
longa data.
A
escrita se fez presente me acompanhando e registrando meu crescimento e minhas
escolhas acadêmicas. Atualmente trabalho numa clínica de saúde mental na qual encontramos
toda a sorte de pessoas e de problemas derivados do sofrimento e adoecimento
mental.
Trabalho
com diversos grupos e um deles chama-se Bem
Viver, que tem como proposta apontar saídas através do uso das artes como:
música, poesia, escrita, cinema, desenhos para o enfrentamento do sofrimento
emocional.
Uma
colega propôs que trabalhássemos a escrita e assim o fizemos. Falamos
rapidamente que a escrita pode ser terapêutica na medida em que ela nos permite
acessar nossos sentimentos mais sombrios, que pode nos levar a outros lugares,
aos outros mundos possíveis. Como Clarice Lispector nos diz “Às vezes escrever
uma só linha basta para salvar o próprio coração”.
Após
pequena explanação foram entregues ao grupo folhas de papel com três estímulos
para que escolhessem um deles e soltassem o verbo, são eles:
ü
Caminho
sozinho pelas ruas da cidade, olho em volta e observo que...
ü
Hoje eu
queria apenas...
ü
Se o
tempo voltasse atrás eu gostaria...
Rapidamente
cada um tomou nas mãos o papel, debruçou-se sobre si mesmo e escreveu com a
alma amassada. Quando entregamos eram apenas folhas brancas de papel, mas ao
recebermos de volta, essas folhas já eram outra coisa, estavam carregadas de
sentidos e sentimentos bons e ruins, de amarguras e doçuras, de palavras vivas,
de “eus”, estavam repletas da dor de ser quem se é.
O
exercício confirmou que a escrita é uma ferramenta ao alcance da mão e pode nos
ajudar no autoconhecimento na medida em que entramos em contato com o que
pensamos e com os sentimentos, podemos dar voz e vez ao que guardamos e
remoemos dentro de nós mesmos, por vezes nos causando sofrimento.
Guardamos
dentro de nós a perda de um amor, a morte do bebê de seis meses, a infância
maltratada, o pai alcoólatra, a traição da mulher, a traição do marido, o
câncer da amiga querida, a mãe que nos abandonou, a violência sexual do
padrasto, a homossexualidade, o aborto... tanto guardamos e engolimos que um
dia, quando menos se espera, isso tudo vêm à tona e nossa dor vira doença
mental e precisa ser cuidada e tratada.
Escrever
é terapêutico, pois permite que nos expressemos através das palavras, que encontremos
novas significações e entendimentos para nossos entraves emocionais. É uma
forma de materializar nossa subjetividade para fora de nós mesmos.
Escrever
para si, escrever para queimar, escrever para lavar a alma, escrever para os
profissionais da saúde, escrever para o outro ler, escrever...
Quando
finalizou esse dia de trabalho e voltando para casa, no percurso me acompanhou
um lindo e colorido pôr-do-sol que anunciava o final de mais um dia do viver, senti
uma imensa vontade de voltar a fazer registros do vivido. Decidi, então, que
voltaria a escrever crônicas, um gênero que sempre me encantou e que sou
apaixonada.
Escrevo
para entender a vida. Li essa frase dia desses, de fato resume o que penso e
para mim é uma extensão de quem sou e está ao alcance das mãos.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?