22 novembro 2019

A MOBILIZAÇÃO SOCIAL NÃO É UM DRAGÃO DE SETE CABEÇAS


Imagem capturada na internet, 2018.
Ernande Valentin do Prado

Nunca achei que mobilizar a comunidade para as ações da Estratégia Saúde da Família (ESF) fosse um dragão de sete cabeças, como muitos descrevem e como aprendi na faculdade.  Por outro lado, nunca achei que as ações coletivas só se justificam quando realizadas para um grupo grande, aliás, sempre preferi trabalhar com grupos pequenos, quinze, vinte, no máximo vinte e cinco pessoas de cada vez. E nunca faltou gente nas ações.
Será que mobilizar é mesmo tão difícil? 
Uma das dificuldades para conseguir reunir a comunidade, parece estar na forma como as coisas são feitas e como se espera atrair a atenção das pessoas para o que nós, trabalhadores da saúde, consideramos importante transmitir, como se o saber pudesse ser transmitido. 
Veja o caso das ações de educação em saúde, são quase sempre, praticadas como se as pessoas fossem quadros em branco prontos a ser preenchidos. As práticas educativas são voltadas para transmissão de conhecimentos majoritariamente biológicos, isso porque acredita-se que os conhecimentos destes fatos sejam suficientes para mudar o comportamento das pessoas. Parece que funciona mais ou menos assim: o trabalhador diz que fumar faz mal e os usuários, diante de tal conhecimento que lhe fora transmitido, irá parar de fumar. 
Quando era estudante de enfermagem já sabia que as pessoas não eram quadros em branco prontos a ser escritos, embora não soubesse ainda como lidar com isso diante da exigência dos professores de que deveria ser feito palestras nos estágios. Sempre tentava fugir e nem sempre conseguia. Em uma das vezes que não deu para despistar a professora, participei de uma palestra sobre diabetes e, como suspeitava antes de começar, os usuários presentes sabiam mais de diabetes do que os estudantes armados de cartilhas.
Mesmo assim ainda há profissionais que imaginam ser donos da verdade e que os usuários nada sabem. Nada sabem e nada querem saber, uma vez que atribuem a pouca participação em atividades educativas ao desinteresse da comunidade, como se ela não tivesse o direito de recusar-se a participar do que lhe é oferecido. Não passa pela cabeça da maioria dos profissionais que talvez eles sejam desinteressantes e que suas conversas já foram repetidas mil vezes. 
Ações de educação em saúde precisam ser bem pensadas. Infelizmente parece que grande parte dos profissionais de saúde imaginam que têm uma verdade irrefutável para transmitir e que isso, por si só deve atrair os usuários. Não funciona assim.
 Atividades educativas não devem ser feitas de qualquer jeito, em qualquer lugar e como se fossem aulas técnicas e objetivas, porque até dando comida as pessoas podem não querer participar.
Mobilizar pessoas não é simples e quase sempre os trabalhadores da saúde estão despreparados para a tarefa. No meu tempo de escola, na época das palestras obrigatórias para aprender e reproduzir, tentaram me ensinar que “boca livre” é o único jeito de trazer a população para as atividades coletivas. 
Felizmente sempre fui um péssimo aluno e não aprendi a dar comida para atrair gente. Mesmo assim sempre consegui mobilizar um bom número de pessoas para as ações. Penso que a mobilização funciona a depender de alguns fatores, sendo os mais importantes a constância e a persistência. 
As ações não devem ser esporádicas, a população precisa ser constantemente convidada a participar. Ter um calendário mensal de ações faz muito diferença. Todas as semanas do mês há algum tipo de ação possível. E essas ações devem ser descentralizadas para os espaços da comunidade e quase sempre realizadas junto com ações assistenciais. Por exemplo, as atividades de acompanhamento de pessoas com diabetes e hipertensão podem ser pensadas com diversas ações: roda de conversa, verificação de glicemia capilar e de pressão arterial, realização de medidas antropométricas, como altura, peso, distribuía de medicações, agendamento de consultas e exames, entre outras coisas.
Sempre fiz assim e sempre deu certo. Se o assunto fosse mais difícil, antes realizava-se ações de educação permanente para que a equipe estivesse segura sobre o que fazer e falar. Assim todos ficavam mobilizados.
Os locais da reunião eram organizados, higienizados e decorados com antecedência. A mobilização começava com os ACS, mas não se limitava a essa estratégia. A depender da ação, eram feitos cartazes, faixas, distribuídos panfletos, divulgado em inserções nos intervalos da programação da rádio e na programação dos locutores. E se precisasse, íamos de porta em porta convidando as pessoas.
Coisa muito importante e que quase não se leva em conta, é que quando se fixa cartazes e faixas, com intenção de divulgar algo, é preciso que estes sejam retirados logo após a atividade, não se deve esperar para retirar um cartaz só quando tiver que por outro no lugar, pois as pessoas não vão mais percebê-lo. E se a população não percebe quando e o que vai acontecer, como vai comparecer? 
 Isso é assunto para outro texto, porém vale lembrar que entre os motivos que levam as pessoas a não se interessarem pelas reuniões do conselho de saúde, é menos importante os horários em que são organizados ou pela pouca divulgação e mais porque não são resolutivas. Longe do discurso de que é no Conselho que se tomam decisões importante sobre a saúde, o que essas reuniões produzem de fato nos serviços de saúde e na vida das pessoas que usam os SUS? 
Será que a mesma observação feita em relação às reuniões do Conselho de Saúde, não vale para as ações coletivas das UBS?

[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

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