14 dezembro 2019

O PODER DE UMA AMIZADE


Maria Emília Bottini

O filme Victoria e Abdul - o confidente da rainha (2017), dirigido por Stephen Frears, narra a amizade entre a rainha Victoria (1819-1901) e seu criado indiano Abdul Karim (1863-1909), e todas as adversidades e fofocas surgidas dessa relação na casa real. A família real tentou esconder essa amizade, mas nem tudo pode ser escondido, queimado ou destruído, como bem podemos observar.
Ao visitar a Casa Osborne, residência de veraneio da rainha do Reino Unido, na ilha de Wight, a escritora Shrabani Basu encontrou um tesouro. Sabedora que a rainha Victoria apreciava comida indiana e tinha empregados vindos daquele país, isso despertou sua curiosidade e interesse pela investigação.
Shrabani passou quatro anos pesquisando, baseando-se nos diários da rainha e seus cadernos com aulas de urdu, idioma que Karim lhe ensinava, além dos diários de seu médico e documentos de outros membros da Casa Real. Foi para Agra, na Índia, onde encontrou descendentes de Karim, e descobriu seu diário perdido no Paquistão.
O livro Victoria e Abdul a extraordinária história real do confidente mais próximo da rainha, é fruto do quebra-cabeça que conseguiu reconstruir dessa história entre a rainha e seu súdito e serviu de base para o filme que, segundo ela, é 90% fiel aos acontecimentos. O que torna a narrativa atraente.
O filme apresenta uma linda fotografia, é delicado e nos conduz a uma relação de amizade entre Karim que era escriturário da prisão de Agra. Karim e Mohammed Buksh foram escolhidos a irem à Inglaterra no Jubileu de Ouro da rainha que comemorava 50 anos no poder.  Nessa época, ela era imperatriz da Índia, mas não conhecia a Índia e nunca esteve lá. Nas conversas que mantinha com Karim mostrou-se bastante interessada por esses temas.
A aproximação da rainha com Karim ocorreu quando ele e seu amigo Buksh foram incumbidos de entregarem o mohur à rainha. Ambos receberam instruções precisas de como deveriam se comportar, jamais dar as costas e nem olhar para a rainha, permanecendo sempre de cabeça baixa. Regras rígidas do protocolo, porém Karim desobedece às ordens dadas e olha para a rainha quando está se retirando.
Esse ato chama a atenção da rainha que se interessa por Karim e o escolhe como confidente e passa a aprender, com ele, sobre a Índia. Um ano depois ela o torna seu Munshi, ou professor, dando-lhe aulas de urdu (na época chamado de hindustani).  Nessa convivência se tornam amigos, diante da solidão do poder, a simplicidade dessa amizade a mantinha viva. Porém, a simplicidade dessa relação causa furor no palácio, ao ponto de ser acusada de estar louca.
Os seus empregados, seu filho sucessor do trono e demais que convivem com ela tentam de todas as formas dissuadirem seus interesses por essa relação; ela os desafia e segue em frente com sua amizade com o indiano a quem tem profundo respeito e admiração, inclusive permitindo que sua família seja trazida da Índia e passe a conviver em uma casa próxima ao castelo.
Após sua morte, seu filho e herdeiro, Bertie, coroado como rei Edward 7º, manda fazer uma busca na casa de Karim, queimando vestígios dessa história, achando que dessa forma tudo estaria destruído e enterrado, mas algumas coisas sobrevivem às insanidades e aos ciúmes de um filho e da criadagem.
Amizade é algo que não sabemos explicar: gostamos de algumas pessoas e de outras nos afastamos, e dos que nos aproximamos nos sentimos tão bem que passamos a dividir nossos segredos mais profundos, não foi diferente com a rainha Victoria e seu súdito.


 [Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 



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