Maria Emília Bottini
O filme Victoria e
Abdul - o confidente da rainha (2017), dirigido por Stephen Frears, narra a
amizade entre a rainha Victoria (1819-1901) e seu criado indiano Abdul Karim
(1863-1909), e todas as adversidades e fofocas surgidas dessa relação na casa
real. A família real tentou esconder essa amizade, mas nem tudo pode ser
escondido, queimado ou destruído, como bem podemos observar.
Ao visitar a Casa
Osborne, residência de veraneio da rainha do Reino Unido, na ilha de Wight, a
escritora Shrabani Basu encontrou um tesouro. Sabedora que a rainha Victoria
apreciava comida indiana e tinha empregados vindos daquele país, isso despertou
sua curiosidade e interesse pela investigação.
Shrabani passou
quatro anos pesquisando, baseando-se nos diários da rainha e seus cadernos com
aulas de urdu, idioma que Karim lhe ensinava, além dos diários de seu médico e
documentos de outros membros da Casa Real. Foi para Agra, na Índia, onde
encontrou descendentes de Karim, e descobriu seu diário perdido no Paquistão.
O livro Victoria e Abdul a extraordinária história real
do confidente mais próximo da rainha, é fruto do quebra-cabeça que
conseguiu reconstruir dessa história entre a rainha e seu súdito e serviu de
base para o filme que, segundo ela, é 90% fiel aos acontecimentos. O que torna
a narrativa atraente.
O filme apresenta uma
linda fotografia, é delicado e nos conduz a uma relação de amizade entre Karim que
era escriturário da prisão de Agra. Karim e Mohammed Buksh foram escolhidos a irem
à Inglaterra no Jubileu de Ouro da rainha que comemorava 50 anos no poder. Nessa época, ela era imperatriz da Índia, mas
não conhecia a Índia e nunca esteve lá. Nas conversas que mantinha com Karim
mostrou-se bastante interessada por esses temas.
A aproximação da
rainha com Karim ocorreu quando ele e seu amigo Buksh foram incumbidos de entregarem
o mohur à rainha. Ambos receberam instruções precisas de como deveriam se
comportar, jamais dar as costas e nem olhar para a rainha, permanecendo sempre
de cabeça baixa. Regras rígidas do protocolo, porém Karim desobedece às ordens
dadas e olha para a rainha quando está se retirando.
Esse ato chama a atenção
da rainha que se interessa por Karim e o escolhe como confidente e passa a
aprender, com ele, sobre a Índia. Um ano depois ela o torna seu Munshi, ou
professor, dando-lhe aulas de urdu (na época chamado de hindustani). Nessa convivência se tornam amigos, diante da
solidão do poder, a simplicidade dessa amizade a mantinha viva. Porém, a
simplicidade dessa relação causa furor no palácio, ao ponto de ser acusada de
estar louca.
Os seus empregados, seu
filho sucessor do trono e demais que convivem com ela tentam de todas as formas
dissuadirem seus interesses por essa relação; ela os desafia e segue em frente
com sua amizade com o indiano a quem tem profundo respeito e admiração,
inclusive permitindo que sua família seja trazida da Índia e passe a conviver
em uma casa próxima ao castelo.
Após sua morte, seu
filho e herdeiro, Bertie, coroado como rei Edward 7º, manda fazer uma busca na
casa de Karim, queimando vestígios dessa história, achando que dessa forma tudo
estaria destruído e enterrado, mas algumas coisas sobrevivem às insanidades e
aos ciúmes de um filho e da criadagem.
Amizade é algo que
não sabemos explicar: gostamos de algumas pessoas e de outras nos afastamos, e
dos que nos aproximamos nos sentimos tão bem que passamos a dividir nossos
segredos mais profundos, não foi diferente com a rainha Victoria e seu súdito.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
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