Maria Amélia Mano
Homem
só tenta convencer a não pular: vem lembrar dos momentos felizes que viveu, dos
lugares bonitos que viu, das músicas bonitas que escutou.
Manoela
pede perdão, Fagner e uma IPA, balança os pés na ponta da ponte como pêndulos
plenos marcando tempo passado, foi ontem, pagou IR, IPTU, IPVA, fez entrevista
de emprego, duas folhas falhas de currículo; fez concurso, errou na
interpretação do texto, na tabela do Excel, inglês, legislação, pisou no
roseiral, estrompou parafusos, segue suspensa a um milímetro da queda, voo sem
asas, Coração Alado.
A
multidão grita pula, sai, vai, cai. Homem só no desespero, de si, dela, apela:
vem fazer reviravolta, recomeçar, olhar tudo pela primeira vez.
Manoela
pede perdão, pastel e Zé Ramalho, bambeia na beira e berra coisa bíblica, coisa
que salve, coloque ao menos no purgatório, ela, que declamou anti-sermão da
montanha, não cumpriu promessa e prazo, não perdoou, rogou praga, deu desculpas
esfarrapadas, inventou pretextos, criou álibis e livrou flagrantes; fuga,
todas, de futuro feito de insônia, sonho e medo do que virá como guerra a
terceira mensagem na cabeça do homem aflição e coragem.
Homem
só lacrimeja, insiste: vem descobrir alguma coisa bonita, alguma coisa
profunda, alguma coisa que cante, que fale, que chame, alguma coisa.
Manoela
pede tempo, Gonzaguinha e baralho, é boa de pife e de serpentear por estradas
curvas, atalhar desfiladeiros, atar fios mágicos soltos no chão, se atirar em
versos e se sustentar de poesia e presente; colher ervas daninhas como raras,
pela fibra, força que fica quando seca fonte, poema acaba, emenda rasga, lírios
e lábios viram lâminas, fome vira fúria fêmea, frágil e fé nasce quando a gente
sente que nunca está sozinho por mais que pense estar.
Homem
só diz que paga conta. Manoela tem sede e cede, pede Belchior, dá as cartas,
sai com trinca, dois coringas, tem pena do homem só, mas blefa, esse jeito de
deixar sempre de lado a certeza e arriscar tudo de novo com paixão, andar
caminho errado pela simples alegria de ser.
Ilustração: Anna Majboroda
Texto para a Oficina Santa Sede Mosaico
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