Maria Emília Bottini
Participei
de uma oficina chamada Processo Criativo.
Inscrevi-me, curiosa para saber o que aconteceria. Ao adentrar no local,
observei que várias mesas estavam dispostas em uma sala ampla e em cada uma
delas havia vários objetos. Fomos orientados a partir daquele momento a não
falar, a silenciar, apenas sentir e, quando houvesse dúvidas, deveriam ser anotadas
no quadro que seriam respondidas pela coordenadora.
Fomos
estimulados a contemplar os objetos, escolher uma das mesas e criar, fazer
arte, mudar as posições e se conectar com aqueles objetos e seus sentidos.
Rapidamente
o grupo se movimenta por entre as várias mesas, num caminhar de procura, de
busca.
Percorri
as diversas mesas com olhar atento aos objetos que sobre elas estavam, cada um
a transmitir vida e morte, conforto e desconforto, prazer e dor; enfim, o mundo
contado pelos objetos velhos, quebrados, descartados que o homem cria para
preencher seus espaços vazios, talvez para não se sentir tão só.
O
meu olhar foi fisgado por uma das mesas, pois nela havia uma pergunta que me
provocou -“Como seria sua carta para o tempo?
”. De imediato achei que deveria permanecer naquela mesa e responder a
provocação feita. Sobre a mesa havia outros objetos compondo o cenário. Escolho
ficar para refletir, sentir e pensar. Há sobre a mesa um relógio parado, pequenos
espelhos, pedaços de papéis pretos, pétalas de flores secas ainda sinalizando
sua cor original que aos poucos se despediam. Alguns lápis e canetas coloridas,
um livro aberto, um relógio de pulso velho, folhas de papel e um envelope
amarelado pelo tempo.
Passo
a me relacionar com os objetos e a mudar suas posições, compondo novos cenários
e a construir novas possibilidades de interação, de criação e, a cada movimento,
novas formas são permitidas, nada é estático, tudo é dinâmico e plural. Fico
satisfeita com a produção e com a diversidade que se instala. Brinco com as
diversas formas de criação possíveis e me divirto.
A
pergunta permanecia a me provocar e me senti compelida a escrever. Apanhei as
folhas amareladas e me lancei. Foi assim que escrevi para o tempo minhas
divagações e as palavras foram surgindo e compondo um pequeno texto que segue.
Tempo, Tempo...
Minha vida foram e
são as minhas escolhas, certas ou erradas, e eu me responsabilizo por elas. Não
quero culpar ninguém pelo que não fiz e não escolhi. Gostaria que um dia, quando
a morte me encontrar, eu ainda estivesse satisfeita com aquilo que fiz e produzi
ao longo do meu caminhar como mulher, amante, amiga, profissional, irmã, tia....
Amei e fui amada. Tive bons amigos e outros nem tanto. Trabalhei e ajudei
muitos a encontrar seus percursos, por vezes com mais leveza. Sofri as dores de
amores não correspondidos, mas sobrevivi. Briguei por quem não podia brigar.
Provoquei e fui provocada. Acreditei demais nas pessoas e me decepcionei. Não
me arrisquei mais e nem tentei novas experiências por puro medo do
desconhecido. Senti-me triste e a tristeza quase me levou embora. Tenho uma família
que fez o que pode com as condições que tinha, me tornando quem sou. Acredito
na humanidade, mas por vezes desacredito. Casei, não tive filhos, mas não me arrependo,
pois eles dão muito trabalho. Estudei, li, escrevi. Dei aulas para alunos que
ficaram comigo e outros nem os conheci. Adoeci, senti dores que quase me
tiraram a saúde mental. Enfim, vivi. Ao findar essa reflexão pergunto quanto
tempo ainda tenho para desfrutar do tempo? Sei que não terei respostas, mas
gostaria, quem sabe assim a ansiedade de fazer coisas daria lugar a contemplar
mais o tempo que passa por mim sem volta, a não me permitir levar nada do que
fiz a não ser a mim mesma. Sei que a morte virá e levará meu tempo embora. O
tempo de viver chegará ao fim, mas me conceda apenas aproveitar o tempo que o
tempo tem e ao partir, que minha vida tenha sido rica de experiência e de
crescimento. Será pedir demais?
E
assim escrevi minha carta ao tempo. Após minha leitura dobrei e coloquei no
envelope amarelado. Solicitei autorização para levar comigo minhas reflexões de
uma tarde entre objetos, arte, escrita, reflexão em que o tempo passou.
Dividimos as experiências de sermos provocados, mas resolvi guardar comigo o
tempo que me fez pensar. De vez em quando me lembro daquele dia em que resolvi
conversar com o meu tempo que passa por mim, por vezes sem que me dê conta, a
me roubar os dias.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
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