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Imagem captura na internet, 2019. |
Ernande Valentin do Prado
Compreender a diferença entre promoção de saúde e prevenção de doenças não é fácil. Muitos profissionais de saúde ainda pensam a promoção como sendo parte da prevenção, como descrito por Leavell & Clark no século XX, por isso não conseguem ver diferença entre prevenir doença e promover saúde.
Também tive
muita dificuldade em compreender a diferença entre uma coisa e outra, até que
em 2009, em um município onde trabalhava há pouco tempo, Fátima, a Agente Comunitária
de Saúde (ACS), disse que tinha um problema muito sério em sua microárea e que
precisava de minha ajuda para resolver. E me contou a seguinte situação:
Seu Edmundo
tinha uma ferida no pé esquerdo. Fazia muito tempo e não fechava. Segundo ela,
porque ele não seguia as orientações da Enfermeira, nem do Médico e muito menos
as dela. Por mais que ela insistisse, o Seu Edmundo não parava de fumar, nem de
beber e, por causa disso, a ferida em sua perna não fechava nunca.
Fátima
sentia-se responsável por fechar aquela ferida e por não conseguir modificar o
comportamento do homem, culpava-se.
Um dia fomos
visitar o Seu Edmundo, no mesmo dia em que encerramos a campanha contra a
dengue, que contei em: “Caixa d’água de cabeça para baixo”, leu essa história?
Seu Edmundo morava
perto de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) que nem era de minha adstrição, mas
nunca fui de fazer essa distinção, principalmente quando a equipe da área não
se importava.
Ele era um
senhor magrinho, falante e hospitaleiro. A casa tinha pouco mais de dois metros
quadrados. Não havia forro, banheiro ou cozinha. Era apenas um cômodo quadrado,
sem água encanada e o único luxo era a eletricidade, que ele usava para acender
a única lâmpada elétrica da casa. As necessidades fisiológicas eram realizadas
em um balde e depois jogadas em uma fossa no fundo do quintal. Era só isso, uma
cama e alguns sacos e caixas espalhadas aqui e ali.
Seu Edmundo
tinha 86 anos, nenhum parente vivo no mundo, ao menos que ele soubesse. Sem
profissão e sem aposentadoria, vivia de assistência social e de juntar lavagem,
que entregava para criadores de porcos nas redondezas. Sua única estripulia,
contou abaixando a cabeça, era fumar um cachimbo no fim do dia e tomar uma
cachacinha nos fins de semana.
A ferida na
perna nem era tão feia, na verdade, naquele dia não passava de uma descamação
superficial, vermelha e úmida.
Fiquei ali um
tempo conversando com Seu Edmundo e pensando em que poderia ajudá-lo. Naquele
momento não via como poderia contribuir com a melhoria da vida dele e é disse
que se trata promover saúde, não é mesmo?
Antes de voltar
para UBS pergunte se tinha alguma coisa que ele precisava e que nós poderíamos atender.
Educadamente Seu Edmundo disse que a Fátima lhe visitava todo mês, que podia
pegar curativos e as medicações de pressão e diabetes no posto de saúde, então
não precisava de mais nada.
Eu e Fátima votamos
caminhando calados para UBS, até que ela, indignada, perguntou por que eu não falei
nada sobre o cigarro e a cachaça. Respondi com uma pergunta:
― Será que
proibir este homem de fumar e beber vai melhorar a vida dele?
Ela ficou
pensando um tempo e depois disse, inconformada:
― ...mas alguma
coisa a gente tem que fazer.
Voltamos a
ficar em silencio boa parte do caminho, sem saber o que fazer ou dizer, até que
Fátima, inconformada, disse que não poderia ser assim, que não aceitava que
nada pudéssemos fazer.
― Concordo,
Foi o que eu disse,
também inconformado com os poucos poderes que tinha.
― só não sei o
que podemos fazer.
E acrescentei:
― o que tenho
certeza é que “nem só de pão vive o homem.”
Voltamos a
andar em silêncio, até que, quase chegando à UBS, Fátima disse:
― eu conheço uma
pessoa que talvez possa ajudar a pelo menos construir um banheiro na casa de
Seu Edmundo, o que acha?
Depois fomos
tendo outras ideias…
Acredito que essa história exemplifique um pouco a diferença entre promover saúde e prevenir doenças.
Acredito que essa história exemplifique um pouco a diferença entre promover saúde e prevenir doenças.
[Ernande
Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]
Muito obrigada pela reflexão! Adoro!
ResponderExcluirObrigado, Adriana. Compartilhe com seus colegas e com as pessoas que possam ser ajudadas por esse texto.
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