24 janeiro 2020

PROMOVER SAÚDE OU PREVENIR DOENÇA?

Imagem captura na internet, 2019.



Ernande Valentin do Prado


Compreender a diferença entre promoção de saúde e prevenção de doenças não é fácil. Muitos profissionais de saúde ainda pensam a promoção como sendo parte da prevenção, como descrito por Leavell & Clark no século XX, por isso não conseguem ver diferença entre prevenir doença e promover saúde.
Também tive muita dificuldade em compreender a diferença entre uma coisa e outra, até que em 2009, em um município onde trabalhava há pouco tempo, Fátima, a Agente Comunitária de Saúde (ACS), disse que tinha um problema muito sério em sua microárea e que precisava de minha ajuda para resolver. E me contou a seguinte situação:
Seu Edmundo tinha uma ferida no pé esquerdo. Fazia muito tempo e não fechava. Segundo ela, porque ele não seguia as orientações da Enfermeira, nem do Médico e muito menos as dela. Por mais que ela insistisse, o Seu Edmundo não parava de fumar, nem de beber e, por causa disso, a ferida em sua perna não fechava nunca.
Fátima sentia-se responsável por fechar aquela ferida e por não conseguir modificar o comportamento do homem, culpava-se.
Um dia fomos visitar o Seu Edmundo, no mesmo dia em que encerramos a campanha contra a dengue, que contei em: “Caixa d’água de cabeça para baixo”, leu essa história?
Seu Edmundo morava perto de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) que nem era de minha adstrição, mas nunca fui de fazer essa distinção, principalmente quando a equipe da área não se importava.
Ele era um senhor magrinho, falante e hospitaleiro. A casa tinha pouco mais de dois metros quadrados. Não havia forro, banheiro ou cozinha. Era apenas um cômodo quadrado, sem água encanada e o único luxo era a eletricidade, que ele usava para acender a única lâmpada elétrica da casa. As necessidades fisiológicas eram realizadas em um balde e depois jogadas em uma fossa no fundo do quintal. Era só isso, uma cama e alguns sacos e caixas espalhadas aqui e ali.
Seu Edmundo tinha 86 anos, nenhum parente vivo no mundo, ao menos que ele soubesse. Sem profissão e sem aposentadoria, vivia de assistência social e de juntar lavagem, que entregava para criadores de porcos nas redondezas. Sua única estripulia, contou abaixando a cabeça, era fumar um cachimbo no fim do dia e tomar uma cachacinha nos fins de semana.
A ferida na perna nem era tão feia, na verdade, naquele dia não passava de uma descamação superficial, vermelha e úmida.
Fiquei ali um tempo conversando com Seu Edmundo e pensando em que poderia ajudá-lo. Naquele momento não via como poderia contribuir com a melhoria da vida dele e é disse que se trata promover saúde, não é mesmo?
Antes de voltar para UBS pergunte se tinha alguma coisa que ele precisava e que nós poderíamos atender. Educadamente Seu Edmundo disse que a Fátima lhe visitava todo mês, que podia pegar curativos e as medicações de pressão e diabetes no posto de saúde, então não precisava de mais nada.
Eu e Fátima votamos caminhando calados para UBS, até que ela, indignada, perguntou por que eu não falei nada sobre o cigarro e a cachaça. Respondi com uma pergunta:
― Será que proibir este homem de fumar e beber vai melhorar a vida dele?
Ela ficou pensando um tempo e depois disse, inconformada:
― ...mas alguma coisa a gente tem que fazer.
Voltamos a ficar em silencio boa parte do caminho, sem saber o que fazer ou dizer, até que Fátima, inconformada, disse que não poderia ser assim, que não aceitava que nada pudéssemos fazer.
― Concordo,
Foi o que eu disse, também inconformado com os poucos poderes que tinha.
― só não sei o que podemos fazer.
E acrescentei:
― o que tenho certeza é que “nem só de pão vive o homem.”
Voltamos a andar em silêncio, até que, quase chegando à UBS, Fátima disse:
― eu conheço uma pessoa que talvez possa ajudar a pelo menos construir um banheiro na casa de Seu Edmundo, o que acha?
Depois fomos tendo outras ideias…
Acredito que essa história exemplifique um pouco a diferença entre promover saúde e prevenir doenças.


[Ernande Valentin do Prado publica no Rua Balsa das 10 às 6tas-feiras]

2 comentários:

  1. Muito obrigada pela reflexão! Adoro!

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  2. Obrigado, Adriana. Compartilhe com seus colegas e com as pessoas que possam ser ajudadas por esse texto.

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