Maria Amélia Mano
Deixar que a pedra e o fogo e o ferro
sejam segundo a sua natureza.
Mas que a água e a sua melodia possam
também ser ouvidas.
Cecília Meireles
Cecília canta porque o instante existe e atravessa noites e dias no vento, e se
de ventos são feitas as tempestades, e de ventos são
acariciadas as velas que movem barcos esquecidos, te convido a festejar minhas
tormentas, como reverência que é verbo e verso em delta e estuário, como
súplica de heroína, como ritual de devoção ao que te marca e te atravessa, como
oferenda ao descontrole do leme e à mudança de rumo, remo no redemoinho,
reflexo do céu feito espuma e espanto, busca e fuga, farol e fases, ciclos, luas,
loucura, garganta e gemido, presença de mim, marés, de ti e de todas as que
(se) encontram e (se) perdem de mim, em mim, pranto; presságio e sorriso,
simples existir como Cecília disse, que nem é preciso fazer nada, para se estar
na alma de tudo, apreciar horizontes, história e canção, rebentação,
esconderijo de mágoas, névoas e monstros, miragens, memórias, mangues, morada
de deusas que se molham nuas, e cavalgam por dunas e arquipélagos, desnublam
céus, manuseiam horizontes, descobrem constelações, posição de estrelas,
fontes, fôlegos, ilhas, cais, baías e raízes que reverencias, caules que
abraças, folhas que colhes para curas sagradas, por tanto, por singrares e
sangrares, por te embrenhares, emprenhares e parires, vem me celebrar, porque
lágrima é água e sal, porque Netuno e Poseidon são nada perto de canto de
sereias, Iara e Yemanjá, perto de ti, porque também te ofereço, na doçura do
meu azul, paz, calmaria e solitude, aconchego; sim, Cecília também diz que as
palavras voam e às vezes pousam e te asseguro, desejo teu voo tanto quanto teu
pouso, teu descanso e sono depois da ventania, te achega, te abeira, te banha,
te molha, te dou pérolas, peixes, redes, algas, corais e tesouros de naus
afundadas, búzios, bilhetes em garrafas e um buquê de rosa-dos-ventos, te
mistura comigo e prometo cuidar de cada grão de areia que ficar na tua pele
depois do mergulho, escutar teus marulhos, lamber tuas maresias, abraçar tuas
ondas mornas e seremos o que sempre fomos: imensidão.
Texto para a Oficina Santa Sede Mosaico
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