Maria Emília Bottini
A imagem que ilustra
esta crônica foi apresentada pelo noticiário nacional em uma tarde de janeiro
desse ano. Ela me fez pensar com carinho na grandeza desse garotinho,
envelhecido pelo frio da zona rural da China. Ele entendeu precocemente sobre
responsabilidade e não ficou se lamentando por elas, fez sua parte enfrentando
o mundo branco da neve fria e gélida. Essa cena me comoveu e me tocou
profundamente.
Acredito na educação
como um das possibilidades de mudar nossa realidade nua, crua e desigual. Essa
notícia percorreu o mundo e certamente outros, como eu, foram tocados pela
grandeza desse pequeno menino-grande. Mas o que há de tão extraordinário na
notícia? Por que ela nos tocou tanto?
Esse menino-grande é
um exemplo de algo que parece estar se perdendo nos dias de hoje nas escolas
brasileiras, que é a vontade e o desejo de aprender, de fazer sua parte, de ir
à escola e não faltar. Muitos que conheço por aí desejam apenas um diploma
universitário, mas ele não precisa ter absolutamente nada dentro, pode estar
oco, visto que para preenchê-lo é preciso esforço e grandeza pessoal de assumir
sua parte no processo de aprender.
Escola é assunto
sério para esse garoto chinês de apenas oito anos chamado Wang Fuman. Para
frequentar a escola diariamente, ele caminha cerca de 4,5 quilômetros por dia
sob a temperatura de aproximadamente nove graus abaixo de zero, o equivalente a
uma hora e meia de caminhada entre a cidade de Ludian, área rural da província
de Yunnan, e o vilarejo de Xinjie, ambos ao sul da China. Por que ele fez isso
nesse dia? Ele tinha uma prova. O diretor contou que Wang é muito bom aluno e
costuma tirar notas altas em matemática.
Assim como ele, outras crianças vivenciam a
situação diariamente no vilarejo.
Wang mora em uma casa
de barro com teto de palha, junto com a avó e a irmã mais velha. A mãe deixou a
família e o pai não retorna para casa tem meses, pois trabalha em outra cidade.
No país há outros como eles e são conhecidas como“crianças abandonadas”, pois elas não vivem com os pais porque
eles trabalham em outros municípios. Apesar de realidade cruel, ele nunca falta
às aulas. Talvez tenha entendido em tão tenra idade, que sua vida é dura e que
a escola representa uma réstia de possibilidade de mudança.
O que me fascinou
nele é sua garra, a vontade de aprender, a responsabilidade independente do
clima e das condições que ele vive, ele foi para a escola, ele fez a sua parte.
Ele pagou um preço por isso? Evidente que sim. Suas mãos se queimaram pelo frio
terrível que o acompanhou no caminho. Ao observar melhor a imagem acima seus colegas
estão rindo dele. Esse é o outro preço que pagou o de ser ridicularizado pelos
colegas que riem dele. Crianças não são só boazinhas umas com as outras, elas
podem ser más e cruéis em qualquer lugar do mundo. Do
que riem seus colegas? Riem do menino que no caminho para a escola envelheceu?
Riem pelo esforço físico de ir, de seguir em frente apesar do que estava sentindo?
Ele poderia ter parado no caminho e ter congelado até a morte, mas não o fez,
ele caminhou, ele seguiu em frente e chegou à escola um velho-menino.
Do que rimos nós?
Essa cena não é engraçada, ela é forte, é lição de vida a nos ensinar que
quando queremos fazer algo, o fazemos, mas quando não queremos encontramos
desculpas, justificativas.
Não tive como não
pensar nos alunos “adultos” que encontrei pelo caminho. Reclamam do texto longo demais,
da prova escrita, do filme que a assistir, da presença em sala de aula, do
trabalho que tem que entregar, do esforço... Reclamam, reclamam, reclamam. Parece
que estar na sala de aula é uma tortura ao corpo, à mente e não discordo porque
aprender cansa e dói, porém também pode ser prazeroso e divertido, mas é
preciso participar do processo. Atitudes que beiram a infantilidade a apontar
que não desejam crescer, desejam permanecer no mundo infantil, naquele que
alguém realiza o desejo. Geralmente pais infantilizados criam filhos infantis e
imaturos que não amadurecem para assumir responsabilidades mínimas da vida,
esquecendo-se que infantilidades não forjam homens para o mundo.
Enquanto isso na
China, Wang cresce de tamanho na caminhada diária para sua escola e nos ensina
que crescer é necessário mesmo que isso provoque dor. Ou se corre o risco de passar
pela vida, apensas reclamando, sem entender que somos parte da solução e da
mudança que tanto almejamos, é preciso assumir esse lugar.
Por que esse menino
não deu desculpas para não ir a sua escola? Estava tão frio, ele queria estar
lá e foi, se lançou no branco da neve. Ele poderia não ter conseguido? Sim, mas
morreria tentando. Por vezes desistimos sem termos neve no horizonte ou sobre
nossa cabeça ou sob nossos pés, o que temos é a falta de desejo a congelar nossas
possibilidades.
Wang virou notícia e
me comoveu. Sua professora tirou fotos e as publicou na rede social a denunciar
que a escola não é só um lugar de ir fazer uma prova, é lugar em que meninos
envelhecem e aprendem que a vida pode ser muito dura, mas ainda assim podemos
enfrentá-la bravamente.
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