Maria Amélia Mano
Faz quatro meses. Souberam de carro roubado na vila. Irmão sumiu por dois dias. Disseram
que estava no meio. Léia foi lá no desmanche, onde escondem os carros. Era
madrugada, mas ela sabia todos os caminhos. Aprendeu os caminhos. Aprendeu a
conversar com os homens poderosos da vila, também: "eles me
respeitam". E, naquela madrugada, enfrentou muitos homens, brigou com voz
alta e dedo em riste sendo ameaçada com revólver na cara. Não se intimidou.
Pediu pelo irmão e ele apareceu no dia seguinte. Inteiro.
Léia tem
23 e o irmão, 17. Léia tem dois filhos, pequeninos. O primeiro, teve com 15.
Trabalha na reciclagem, perto de casa. Juntou dinheiro, bagulhou vidro e
plástico, papel branco na rua. Valor que deu ao traficante pra não apagar o
irmão. Irmão que ela jura que é do bem, que não usa droga, que não
trafica,"só anda com gente ruim, todos os dias". Mas Léia afirma que ela
se dá com todos e que eles respeitam, repete. E todos os dias, a irmã luta para
o irmão não morrer. Vai na boca de fumo, ameaça patrão. Não desiste. Todos os
dias, não desiste.
Mas a
história do carro roubado assustou. Irmão apareceu, mas estrago tava feito: Léia
começou a ter medo, mas nega: "não é medo, é dos nervos". Noites mal
dormidas, tremores nas mãos, chora, se irrita com os pequenos e sente culpa.
Não come, perdeu 10 quilos e se sente frágil. Não pode se sentir frágil. Todos
os dias tem uma batalha, uma luta. Patrão viu a magreza e a tristeza e
perguntou, se preocupou. Disse pra ir no médico, que podia ter doença, que
nervos era problema sério.
E Léia
veio, me contou história, pediu ajuda e sempre afirmando, a cada queixa, como
quem quer acreditar: "eles me respeitam".
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