Maria Amélia Mano
Fecho
os olhos quando sinto vento, não porque me atrapalhe mas porque de olhos
fechados enxergo melhor. Faço queda de pálpebra que é persiana, pausa de dia de
sol, descanso de luar, noite forçada. E sou devaneio, di-vagueio em pensamentos
soltos que tento unir em tempos de ontem, hoje e amanhã.
Passado.
No escuro, em janeiro, falavam de Omolu e pestes. Plutão inquieto, subterrâneo,
banido da astronomia, desafiando Saturno, anunciando fim de fronteiras e
limites. Prostituta de Rondônia viajou com caminhoneiro pra Porto Alegre.
Pedaço de RNA de mercado da China atingiu aldeia Ianomâmi na Amazônia. Me
assombro com tudo tão longe e tão perto.
Presente.
No escuro, valorizo o simples que inspira e respira. O cachorrinho que passeia,
malhado, amarelo e branco, com um mapa secreto no tronco. Todos os seus irmãos
têm um mapa diferente. De vez em quando, no campo, mundos se encontram, se
lambem, se trocam pulgas. E, depois, saem cachorreando livres e seguindo suas
sinas.
Futuro.
No escuro, arremesso minha esperança para sul e norte e para daqui dois, três
meses. Quando sonho que vou sossegar alma e coração afagando as mãos dos meus.
E os desenhos que invento dos rostos, dos sorrisos, dos olhinhos vivos de
todos, pra me aquietar, pra diminuir saudades, serão memórias lindas desse
tempo de distâncias.
Abro
os olhos quando sinto vento, não porque sempre precise enxergar melhor pra além
de mim. Mas porque também preciso viver essa claridade que ofusca. E, ainda
assim, ser devaneio, di-vagueio em pensamentos soltos que nem sempre consigo
unir por tempos de ontem, hoje e amanhã. Apenas sinto. Muito.
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