Maria Emília Bottini
O
livro que encomendei chegou. Ao pegá-lo nas mãos não o abandonei mais, sua
comovente história me penetrou a alma, devorei suas páginas uma a uma como
alguém que sedento bebe água. Por uma semana inteira fomos companheiros
inseparáveis.
Escrito
por Isabel Allende, jornalista, sobrinha do presidente chileno Salvador Allende
morto em 1973, filha de um diplomata, exilada política, a autora
latino-americana narra a história de Paula,
sua filha que em 1991 adoeceu gravemente e pouco depois entrou em coma.
Isabel
escreve esse belo livro, um tratado ao luto e a dor da perda durante o longo
período de convalescença de Paula. As histórias narradas neste livro são de sua
vida da infância, dos períodos difíceis da ditadura, do exílio, seus
casamentos, amores e desamores, regados a relatos do acompanhamento e das
condições do estado vegetativo em que a filha se encontra. Sua escrita é
dirigida a Paula na intenção que, quando acorde, tenha as informações do tempo
em que esteve ausente.
É
um relato de uma mãe que cuidou de sua filha com todo o amor que lhe foi
possível sentir. Por cinco meses, Paula permaneceu internada em Madri devido a
crise de porfiria que teve. Porfiria são um grupo de distúrbios herdados ou adquiridos que envolvem certas enzimas participantes do processo de síntese do heme
(grupamento químico contendo um átomo de ferro que se junta às porfirinas para
formar a hemoglobina e a mioglobina). Estes distúrbios se manifestam através de
problemas na pele e ou com complicações neurológicas. Após esse período, os médicos lhe contam que Paula teve lesão cerebral e seu
quadro é irreversível. Lesão cerebral causada por medicação administrada de
forma errada.
Paula é uma mulher de 27 anos, casada há um
ano, psicóloga com mestrado, realizava obras sociais com idosos. Seu marido a
visita no hospital e tem com ela longas conversas na esperança que lhe ouça e
volte a existir em seu estado normal. A enferma já não pode mais abraçar,
beijar, responder ou sequer olhar nos olhos, permanece inerte ao mundo que a
circunda.
Isabel numa manobra, que só mães podem
empreender, leva sua filha para morar na Califórnia onde reside, Paula por um
tempo permanece em uma clínica de reabilitação e mais tarde a levam para
residir na casa da família.
A dedicação e zelo são importantes no trato com
pacientes moribundos, mas há um momento que é preciso desistir, que não há mais
o que tentar e deixar que a morte faça seu percurso, mesmo que isso gere dor
que pensamos não ser possível suportar e seguir vivendo.
Paula morreu tranquilamente depois de um ano em
coma junto aos seus familiares. A beleza com que a dor da perda é descrita, me
deixou comovida.
Isabel é intensa em sua escrita da dor, nos faz
atendrar em cada palavra em seu dilema de vida, de mulher, mãe, amante, avô...
Perder um filho é uma dor avassaladora, foi preciso três longos anos para
retornar a escrever, refere que estava vazia, que não sentia mais nada.
Enquanto vivia seu luto, o esposo também perdera sua filha, que tinha a mesma
idade de Paula, por uso abusivo de drogas. Quanta dor pode sentir uma pessoa?
Não sei responder, cada um sente a seu modo o que lhe atinge e cada um encontra
caminhos próprios para vivenciar o luto.
Em sua escrita podemos perceber que essa pode
ser uma extraordinária forma de sobreviver, pois sua dor já não é apenas sua,
foi partilhada com muitos outros. Quando acabei o livro, fiquei com ele junto
ao peito por alguns longos momentos e chorei a dor de ser o que se é.
Nas palavras de Isabel “silêncio antes de
nascer, silêncio depois da morte, a vida é puro ruído entre dois silêncios
insondáveis”. O que fazemos nesse intervalo entre os dois ruídos insondáveis é
a vida, é o viver.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
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