10 outubro 2020

A ARTE NÃO RESPONDE


 

Gosto muito de livros com os quais sempre tive afinidade. Dias desses, fui surpreendida com um deles que relatou o trabalho de uma amiga médica da alma e seus colegas de jornada na feitura de uma medicina com parcos recursos destinados às comunidades pobres. Algumas páginas foram ilustradas pelos quadros de Flávio Scholles, um artista plástico reconhecido mundialmente por suas obras que retratam o cotidiano radicalmente transformado das comunidades urbanas e rurais do Vale dos Sinos.

Morro Reuter é uma pequena cidade situada na encosta da Serra Gaúcha, um pequeno paraíso que possui aproximadamente seis mil habitantes. Casas típicas da colonização alemã compõem a paisagem pitoresca e bucólica que fazem muito bem aos olhos.

Ali conheci Flávio Scholles em seu próprio ateliê. Um homem de fala simples, mas não mansa, um sábio com seus pincéis multicoloridos a provocar em mim reflexões. Homem cujas mãos retratam cenas típicas desta região: os sapateiros, os agricultores, as ritzeletas, as colhedoras de flores, as comidas típicas, as danças, as galinhas... Suas mais de dez mil obras percorrem o mundo e contam sobre ele do que o circunda e o indaga.

Conheci-o em um domingo de chuva. Bati à porta fechada de seu estúdio artístico na beira da estrada. Dei uma pequena volta ao redor da bela construção que abriga seu ofício. Visualizei-o no segundo andar a olhar o vale a perder de vista. Não resisti e abanei a mão para ele que simpaticamente retribuiu o gesto com um sorriso.

Ao abrir a porta, era quase meio-dia. Minha aspiração de estar com ele se sobrepõe aos tempos e aos movimentos. Fui convidada a adentrar em seu mundo de cores, imagens e histórias que as paredes abrigam e dão vida à luz e à sombra. Contou-me rapidamente que Leonel de Moura Brizola (ex-governador do RS e do RJ) lhe deu uma bolsa de estudos que permitiu estudar e ser o artista que é hoje.

Generosamente me guia nesse espaço ricamente cercado de criatividade e de sua forma de interpretar a realidade. A cada quadro uma aula de vida, e de intensa sensibilidade e paixão pela humanidade. Homem questionador, de fala rápida, nervosa e intelectualizada que me encantaram e me intrigaram.

  O livro sobre a mesa Quadros que falam é sua obra mais recente. Nela muitas páginas dão vazão à sua imensa produção. Seus quadros são de profunda beleza e encantamento. De fato suas telas dialogam com quem as vê, com quem as conhece e se aproxima delas, pois falam do que nos toca, falam de nós mesmos, humanos, por vezes, desesperador.

O papel do artista não é dar respostas, mas sim nos conduzir, de forma peremptória, a intrigantes perguntas que nos fazem pensar. Cores vivas e expressivas entre traços firmes e fortes de poucos ou quase nenhum retoque. Mulheres, homens, crianças, bichos que se movimentam num piscar de nossos olhos e conosco compõem a existência.

Recomendo a quem desejar conhecer suas obras que visite o site http://www.fscholles.net. Homens como ele são fascinantes e nos tornam melhores. Por um fugaz momento, pude estar ao seu lado e compartilhar de suas ricas, furiosas e incessantes indagações em meio da arte que pode ser uma janela para o mundo. Mesmo que esse mundo seja o interno ansiando para ser exposto, visto e sentido apenas com alma.

 

 [Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das 10 aos Sábados] 

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