CONSTÂNCIA

 

                                                        Maria Amélia Mano

        Constância vai com muita sede ao pote, conta com o ovo antes da galinha, tem pressa, é amiga da perfeição e boa entendedora, sabe que meias palavras não bastam, tudo que reluz pode não ser ouro, mas anima, sempre chora sobre o leite derramado, sempre come melado e sempre se lambuza, acha que cada macaco pode estar em muitos galhos e que filho de peixe pode ser sereia, acredita que esmola nunca é demais e se é santo confia e Deus escreve certo por linhas fartas, imensas, ajuda quem cedo madruga, quem dorme até tarde, quem defende que o que é de César pode ser de todos e todas mesmo o cavalo dado que deve se olhar tudo e devolver se não for legal.

        Constância pensa que onde há fumaça há comida boa e que mais vale dois pássaros voando que um na mão, por isso, defende que o seguro morreu de tédio e o hábito faz o chato, que por amor se põe a mão e o coração no fogo, porém, existe rosa sem espinho, só que transgênica, deve se temer cão que ladra porque pode assustar, também pimenta nos olhos dos outros porque nos atinge, também mentira que tem vida longa e males que vem só para males, porque um dia pode ser o da caça, o outro também, assim, defende que quem com ferro fere deve ser afastado, roupa suja se lava em qualquer lugar e ladrão que rouba de ladrão é sempre ladrão.

        Constância explica que o barato sai econômico, que de médico e louco ninguém quer depender, que quando um burro fala não é tão burro e o outro, não deve baixar orelha, mas escutar e falar, porque tem boca dá a volta ao mundo, especialmente à noite quando todos os gatos são iguais, pretos, pardos, índios e o que os olhos não veem, não sabem e que quem é visto nem sempre é lembrado, então é preciso desvendar, não porque em terra de cego quem tem olho sofre, mas porque cada um nem sempre sabe onde aperta o sapato e a dor nem sempre ensina a gemer, mas a cantar e quem canta seus males não espanta, mas enfrenta e quem não tem cão, brinca com gato e passarinho.

        Constância me diz com quem anda e digo que posso andar e me divertir com ela, mesmo sabendo que andorinha sozinha pode fazer todas as estações, prefiro dividir minha primavera com ela, dando meu tempo que é dando que não se deve esperar receber, mas desapegar ficar leve e, talvez, deixar pra amanhã o que você não pode fazer hoje ou deixar pra nunca o que você não quer fazer, esvaziar, porque mente vazia é oficina de meditação, saco vazio para em pé de possibilidades de criação, água passada, memória, ainda pode mover muitos moinhos e, sendo mole em pedra dura pode virar caminho de cachoeira, essa da gente alcançar, insistir, persistir, continuar, se banhar.

Ilustração: Maki Hino