Maria Amélia Mano
Na primeira madrugada, o pássaro ferido te acorda no início do sonho. Sem compreender medo e melodia, moves rendadas cortinas das janelas e teus dedos têm as marcas dos anéis que os sóis deixaram, como se noiva fosses das manhãs de verão. Espia ele, passarinho, com espinho cravado no peito, na altura do coração. Assombra teus olhos recém despertos. Entre fronhas do sono quente, do sonho urgente, interrompe tempo como esperança de criança que perde o brincar. Na segunda madrugada, o pássaro ferido te acorda no meio do sonho. Cuidando frestas, moves fendas e venezianas e teus dedos têm cicatrizes de cantos tristes, como se operária fosses das tardes lindas das lidas de outono. Explica ele, passarinho, com ninho trançado em nuvem no ar, que cada movimentinho milimetrado de espinho é dor nova que atravessa, sabre, susto, sentimento vivo como se fosse agora. Como se fosse punho, pranto, pedra que fere penas. Na terceira madrugada, o pássaro ferido te acorda no fim do sonho. Desvendados os segredos, já te arriscas ao abrir janelas, comer pão orvalhado do dia, café neblinado, o nevoeiro da noite. Como se entardecer te abraçasse e te levasse pra dançar primaveras. Com ele, passarinho, descobres que se o que atravessa machuca, também estanca, como o viver. Como se os sonhos inteiros precisassem dos partidos, inverno fosse preciso pra florescer, dia fosse refém da noite, presença e ausência fossem irmãs. Em todos os sonhos e todas as madrugadas, serão vocês, mulher e passarinho, dedos entre asas, passos entre voos e esse olhar alado, esse ninho, esse canto livre de amor. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?