09 novembro 2020

NÃO ME CALA QUE EU GRITO

 


 Praia em Den Hag, 2015

                                                    NÃO ME CALA QUE EU GRITO

 

Parecia que o mundo ia acabar sobre meu peito. Opressão e sensação de estrangulamento. Primeiro pensei em alguém me agarrando e apertando, logo me veio a ideia de angustia e medo e por fim me deparei com o real motivo de tudo: um CALA A BOCA!

No começo foi um “calaboquinha”... tipo: se falar vai incomodar os outros, depois foi num crescendo  de melhor guardar sua opinião para si. Por fim veio o nem ouse comentar, cala a boca e eu me engasguei de mudez.

Muito tempo seguindo esta trilha de  aceitar não incomodar os outros, de evitar fomentar discórdias, não colocar os pontos de vista, de ser mudo falante só nos momentos imprescindíveis... para o companheiro, o amigo, a família. Peito cheio, cabeça borbulhando e boca tampada pela comodidade de não brigar, não falar contrários e considerar que para ser amado era melhor assim... só que não! Adoeci, fiquei magoado, fiquei invisível para mim mesmo!

O vulcão das ideias e opiniões reprimidas vinha se mostrando em previas de ebulições pequenas... abafadas mais uma vez. Mas chegou a hora e depois de escutar a concordância com um ato vil, de visível descaso com a vida em si e principalmente com a vida alheia eu saí do ostracismo e disse NÃO! O retorno foi um “CALA A BOCA” que você nada tem com isto. Tempo demais guardando tudo, tempo demais sendo invisível, mas ver o que senti como injustiça contra um  desprotegido foi o estopim.

Pacientemente o garoto estava varrendo a calçada do prédio de escritórios luxuosos onde eu trabalhava (claro que fui demitido). De costas esbarrou numa pessoa que entrava apressada e derrubou uma pasta cheia de papéis. Na mesma hora se desculpou e pegou dois papéis caídos, colocou na pasta e entregou ao enfurecido cidadão que o empurrou, deu uma bronca e ameaçou um tapa. Me interpus falando basta, com calma e pensando em esfria a coisa. E foi aí que ouvi a frase:  Cala a boca que não é da sua conta, você não tem nada com isto. Desta feita não calei. E fora do meu usual gritei P A R A !!! Não sei se foi a surpresa de ser ouvido ou se era para ser assim, o ofendido parou mesmo e  se voltou e me encarou. Apenas disse sibilando: você vai ver!!! E eu vi  a porta da rua... mas resolvi não me calar mais o peso no peito passou, a garganta  se liberou e me deu ganas de cantar.                             Maria Lúcia Futuro Mühlbauer

Publica às segundas feiras

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