Maria Emília Bottini
Ninguém sabe desde quando existe a lenda dos mil Tsurus (ave da espécie da família dos grous – cegonhas nativas do Japão), a qual refere que aquele que fizesse mil tsurus de origami teria um pedido atendido pelos deuses. A lenda ficou mundialmente conhecida a partir de uma garotinha chamada Sadako Sasaki.
Sadako
nasceu em Hiroshima e tinha dois anos quando os americanos lançaram a bomba
atômica sobre a cidade. Ela vivia distante do epicentro da bomba e, juntamente
com a mãe e o irmão, saiu ilesa do ataque. Durante a fuga, porém, todos foram atingidos
pela chuva negra radioativa que caiu sobre a cidade ao longo daquele dia.
Após
o término da guerra, Sadako e sua família viviam normalmente. Ela era uma
garota, aparentemente saudável, até completar doze anos. Em janeiro de 1955,
durante uma aula de educação física, ela adorava corridas, sentiu-se mal e teve
tonturas. Dias depois sentiu-se mal novamente e caiu ao chão, sem sentido. Foi
levada ao hospital e depois de alguns dias surgiram marcas escuras em seu corpo
e foi diagnóstica com leucemia. Sua internação ocorreu em fevereiro de 1955 e
teve o prognóstico de um ano de sobrevida.
Em
agosto, sua melhor amiga Chizuko Hamamoto foi visitá-la e presenteou-a com uma
dobradura de tsuru. Na oportunidade, contou-lhe sobre a lenda dos mil tsurus de
origami. Sadako decidiu fazer os mil tsurus desejando a sua recuperação. A
doença avançava rapidamente e ela se sentia cada vez mais debilitada, mas prosseguia
dobrando lentamente os pássaros, sem se mostrar zangada, mas sim resignada.
Em
dado momento a menina compreendeu que sua doença era fruto de uma guerra, e mais
do que desejar apenas a própria cura e a paz para a humanidade, desejava também
que nenhuma outra criança sofresse com as guerras. Ela disse aos tsurus: “Eu escreverei paz em suas asas e você voará
o mundo inteiro”.
Na
manhã do dia 25 de outubro de 1955, Sadako montou seu último tsuru e faleceu,
amparada por sua família. Ela não conseguiu completar os mil origamis, fizera 644.
Mas seu exemplo tocou profundamente seus colegas de classe e estes dobraram os
tsurus que faltavam para que fossem enterrados com ela.
Os
colegas formaram uma associação e iniciaram uma campanha para construir um monumento
em memória à Sadako e a todas as crianças mortas ou feridas pela guerra. Em
1958, com doações de cerca de 3100 escolas japonesas e mais nove países, foi
erguido o Monumento das Crianças à Paz, conhecido também como Torre dos Tsurus,
no Parque da Paz em Hiroshima.
O
monumento de granito simboliza o Monte Horai, local mitológico onde os orientais
acreditam que vivem os Espíritos. No topo do monte está a jovem Sadako
segurando um tsuru com seus braços estendidos. Na base do monumento estão gravadas
as seguintes palavras: “Este é nosso
grito. Esta é nossa oração: paz no mundo”.
Essa
lenda tocou-me profundamente, porque a Paz é ainda um desejo, um devaneio, uma
utopia no horizonte do mundo moderno. Mal termina uma guerra outra já está a caminho
ou ocorrem concomitantemente, tornando-nos uma humanidade sempre em guerra. Guerras
são justificadas (mesmo injustificáveis) e foram aprendidas e quiçá possam ser
desaprendidas.
É
preciso acreditar no desejo das crianças e construir a paz no mundo a partir de
atitudes e não de falatório. Se bem me lembro não foram as crianças que soltaram
as bombas atômicas no Japão em 1945. Crianças refletem o que vivem.
Quantos
tsurus devemos fazer no mundo moderno para nos darmos conta de que a guerra só
produz cemitérios, órfãos e sofrimentos? Talvez apenas um tsuru seja o
suficiente. Parece que nossos braços não conseguem substituir os de Sadako e
suportar tal peso e poder em nossas mãos, é responsabilidade demais para os
humanos, deixemos para as lendas.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
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