Maria Emília Bottini
Gosto muito de
histórias e aprendi isso com algumas pessoas especiais em minha vida. Minha tia
e madrinha Leondina é responsável por elas terem um espaço em mim. Quando era
pequena, enviava pelo correio livros infantis, eu os aguardava ansiosa pelas
histórias que traziam em seu interior A
girafinha flor fez amigos, A
tartaruga infeliz ...
Minha nonna
Graciosa e meu nonno Joaquim, quando os visitava, me contavam histórias: ela a de
Santa Rita de Cássia e ele das estrelas e planetas distantes. Com eles povoei
minha infância de graça e beleza. Tive o privilégio de estar com eles por um
longo tempo de menina e suas histórias me encantavam, pois também contavam
sobre os parentes deixados em terras distantes. Eles me faziam sonhar e acreditar
que a vida com histórias é mais divertida.
Quando me
tornei psicóloga, as histórias continuaram a me acompanhar, talvez por me dar
conta que sou a Emília e ter semelhanças com a boneca de pano de Monteiro
Lobato, afinal sou filha do Pedro e da Anastácia que é costureira, casei com o Visconde
Toledo e morei num sítio em Erechim.
Adorava contar
isso para um grupo de crianças que mantive por cinco anos, com contação histórias
e, depois delas, fazíamos uma atividade lúdico-pedagógica. Certa vez li o
Cavalo Azul de Cecília Meireles, um menino veio ao grupo com seu cavalo, visto que
era no meio rural que morava. Decidimos que iríamos andar a cavalo após a
leitura. Fiz algumas recomendações para não caírem, se cuidarem e me despedi, tinha
uma visita domiciliar para realizar. Todos insistiram que eu deveria dar a
primeira volta, o fiz. Ao desmontar do cavalo, cai e quebrei meu braço direito.
Algumas histórias não acabam muito bem, mas isso não significa que não tenham
beleza e importância.
Já contei
muitas histórias e ouço muitas delas, penso que quem não consegue contar uma história
bonita ou mesmo fazer as pazes com seu passado tem tendência a ficar sempre
ruminando sobre como seriam as coisas, não conseguindo sair desse emaranhado de
fios. É preciso ressignificar sua própria história ou sempre sofrerá com ela.
Dia desses
procurava algo para fazer em Brasília e me deparei com um curso chamado Caminhos
do Conto, li e me interessei por ele. Havia uma aula demonstrativa para
conhecer o que seria o trabalho. A contadora de histórias falou pouco sobre o
curso em si, nos fez sentir como ele seria.
Ela nos deu a
seguinte instrução. Em duplas contem algo que tenha acontecido na sua infância,
pode ser algo bom ou ruim, você escolhe. Ao contar ao grande grupo vocês devem
acrescentar um elemento mágico. E assim o fizemos. Ao ouvir minha história a
magia estava no ar e isso me afetou e entendi que deveria estar lá para contar
minhas histórias.
Voltei ao
curso nos dias seguintes e lá encontrei várias outras contadoras porque cada um
carrega a sua própria história que não está nos livros, está na pele. Um grupo
eminentemente feminino e com ele aprendi muitas coisas, como usar os elementos mágicos,
objetos, livros, imagens, palavras... Ouvi histórias que surgiam aula após aula,
umas engraçadas, outras nem tanto, mas a cada uma se somavam a aventura do
existir.
Aprendi como
devo me colocar nas histórias que conto, pois dessa forma ela terá mais
sentido. Conta melhor quem conta de si. Ao contar algo que faz sentido para
mim, isso fará sentido para o outro.
Em uma das
aulas, recebemos a instrução que deveríamos levar alguma imagem que fizesse
sentido em nossa vida. Levei uma mulher cuja cabeça está aprisionada a uma
gaiola. A escolha se deu porque essa imagem está presente nos meus trabalhos de
grupo e em atendimentos individuais de forma muito significativa. E por vezes
estamos presos em gaiolas do pensamento. Eu a coloquei no centro da sala com as
outras imagens, mas a abandonei quando vi uma linda ilustração de um portal.
Não sei explicar porque a escolhi, mas fui capturada pela imagem. Imediatamente
a história surgiu.
Era uma vez um caminho feito de pedras, ele
dava em um portal com flores e borboletas coloridas, outros bichos também nele
se encontravam, havia macacos, pavões, pássaros coloridos voando e cantando.
Todo dia uma mulher de vestido vermelho percorria
esse caminho, atravessava o portal para ir à vila, não muito distante dali, ela
contava histórias a um grupo de idosos que viviam juntos, eles já não tinham
mais memória tão boa, alguns já estavam esquecidos de quem eram. A mulher não
se importava com isso. Ela contava as histórias de seu coração e os idosos voltavam
a sentir uma felicidade antiga dentro de si.
Um
dia, no entanto, o grupo de idosos esperou a mulher de vermelho, mas ela não
apareceu. Então um idoso que ainda tinha um resquício de memória, lembrou-se da
mulher e sentindo falta dela e de suas histórias falou com os demais e
decidiram procurá-la na vila. Procuraram por algum tempo, perguntaram para quem
encontravam no caminho e nada se sabia dela. Tiveram a ideia de percorrer o caminho
que ela fazia até chegar à vila.
Até que finalmente chegaram próximo ao
portal e encontraram apenas seu vestido vermelho ao chão e seu livro de
histórias que o vento folheava, dele saiam pequenas borboletas coloridas. Os
idosos entreolharam-se e em silêncio entenderam.
Essa história
me saiu fácil como que se estivesse pedindo para ser contata, está carregada de
elementos que significam algo para mim, falam de mim. O vermelho do vestido é
porque sou apaixonada por essa cor, aliás é minha favorita. Os idosos sem
memória representam o meu caminho seguindo para o esquecimento e os pacientes
que atendo que vivem a solidão de suas vidas abandonados, inclusive por suas próprias
memórias. Os livros sempre me fazem companhia. As borboletas eu as amo de paixão
e certa vez li que os gregos acreditam que ao morrer nos tornamos uma delas. E
a morte considero um tema central em minha vida.
Quem conta um
conto aumenta um ponto diz o ditado popular, mas também conta de si, o que
entende, o que sente, o que acumula. O ato de contar histórias pode ser
considerado uma arte que se utiliza da palavra-viva. Uma arte que nos permite
tocar o misterioso mundo interno, a ludicidade, o prazer, a alegria,
permite-nos encontrar a criança que nos abriga silenciosamente.
Neste curso
fiz o percurso dos caminhos do conto através do sentir, do fazer, do pensar, do
contar e isso me mostrou que sou uma contadora de histórias da minha própria
jornada, da existência com data para acabar, até isso acontecer, pretendo contar
histórias que emocionem.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
O ponto que aumenta o conto é faz um conta no ponto do canto
ResponderExcluirO ponto que aumenta o conto é faz um conta no ponto do canto
ResponderExcluir