Gosto do cinema
como possibilidade de nos educar para a sensibilidade e ampliar nossa percepção
de mundo. Atualmente, parece que temos tão poucos espaços para a reflexão. Os
filmes nos ajudam a refletir temáticas difíceis. O cinema não é só diversão na
minha opinião, um bom cinema tem de nos fazer pensar, mesmo que pensar doa e
canse.
O documentário
The center will not hold apresenta Joan Didion, jornalista, roteirista e
escritora americana de grande sucesso com o devido reconhecimento em vida por
sua obra, pois o presidente Obana a homenageou na Casa Branca por sua
contribuição através da escrita. O documentário narra
episódios de sua carreira, de sua vida, de suas perdas e o seu processo de luto
pela perda do marido e da filha, num espaço curto de tempo.
Conheci Joan
Didion através do texto intitulado A
mulher que restou (2012) pelas sábias mãos de Eliana Brum, em que relata
sobre os dois livros que escreveu. Quando da morte do marido John, com quem
vivera por quase 40 anos, escreveu o livro chamado O ano do pensamento mágico. E quando perdeu a filha adotiva
Quintana, aos 39 anos por complicações de saúde, escreveu Noites Azuis, são aquelas noites assim chamadas porque anunciam o verão
e só vão embora depois que ele acaba, nas quais podemos nadar em azul no
crepúsculo antes de a escuridão nos alcançar.
Como escritora
usou a ferramenta que tinha ao alcance da mão e escreveu, escreveu...
Joan comenta em
uma entrevista que enquanto escrevia o livro sobre seu marido, de alguma forma ele
estava vivo, e que era difícil finalizar o mesmo. A entrevistadora pergunta-lhe:
e quando terminou? Joan acena com a mão voltada para trás. Esse gesto nos revela
que a ligação, a conexão, a energia vital da presença do morto se foi, não sem
dor, mas não é mais do mesmo jeito. A escrita era a conexão, a lembrança,
quando ela finda a obra ocorre a compreensão de que não haverá retorno, está
sozinha.
Por me
interessar pela temática do luto, comprei os dois livros dessa brilhante autora,
verdadeiros tratados sobre a dor que dói quando da perda de alguém que amamos, no
caso de Joan Didion a dupla perda. Aos 70 anos está sozinha para enfrentar seu
envelhecimento e sua própria finitude.
No documentário
ela relata seu processo do luto e com ele observamos que o tempo ameniza e
acalma a alma e impulsiona ao movimento novamente, depois de uma parada
obrigatória para sentir e chorar a perda.
“Todos sabemos
que, se vamos continuar vivendo, chega uma hora que devemos deixar nossos
mortos:
Liberá-los,
mantê-los mortos.
Deixá-los irem
com as águas.
Deixá-los se
tornarem a fotografia em cima da mesa.
Tendo absoluta
consciência de que isto não torna mais fácil, deixá-los irem com as águas.
Eu não queria
que o ano no qual cada um deles morreu chegasse ao fim.
Eu sabia que,
com um novo ano entrando e à medida que os dias passavam, certas coisas
aconteceriam.
Minha imagem do
momento em que eles se foram seria algo que aconteceu em outros anos.
Minha sensação
de John e Quintana, John e Quintana vivos...
Tornar-se-ia
mais e mais longínqua, suavizada, transmutada em algo para facilitar a minha
vida sem eles.
Na verdade, isso
já está acontecendo.
Por uma vez na
vida, deixe-os ir”.
Nesse relato,
Joan transcreve o seu processo de luto, do dar-se conta que a passagem do tempo
ameniza a dor tornando-a menos intensa. Os dias começam lentamente a ter novas
perspectivas e a vida volta ao seu curso, não da mesma forma e nem do mesmo
jeito, mas volta, não sem dor, recolhimento, choro e silenciamento que podem
durar longo tempo.
Um dia permitiremos
que eles partam, deixando-os ir e nos permitiremos ficar e seguir em frente sem
nossos entes queridos, até a nossa própria partida chegar.
Um documentário
sensível e que nos ajuda a refletir sobre as perdas ao longo do ciclo vital.
Joan Didion transformou sua dor em palavras dando som a elas, que reverberam em
nós com profunda intensidade. Escreveu sobre sua dor, sobre seu lamento e sua inconformidade
pelas ausências e se manteve firme, se fez presente nas ausências e superou a
dor seguindo teimosamente em frente.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
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