Tenho um amigo bombeiro que se lembrou de
mim dia desses, devido ao fato de que em meu doutorado ter estudado a temática
morte.
Contou-me que viajou para o velório de uma
prima que havia morrido em um acidente de carro inesperadamente.
Muitos familiares acompanharam as últimas
homenagens, mas também o ilustre João, personagem famoso na cidade, não por
aparecer em televisão ou Big Brothers da vida, mas por acompanhar todos os
velórios sem perder nenhum. Acompanhava as orações e cantos que sabia de cor e
salteado, só se permitia ir embora quando o morto já estivesse em baixo da
terra. Isso deu sentido aos dias povoados de imaginação e loucura.
Certo dia, um senhor faleceu e foi
sepultado em outra cidade. O corpo foi devidamente preparado e colocado no
carro fúnebre para a viagem de destino. Sem que ninguém percebesse, João instalou-se
confortavelmente junto ao caixão, seguindo viagem tranquilamente.
Durante o trajeto com a trepidação no
asfalto, adormeceu em companhia ao morto, que dormia seu sono eterno. Ao
acordar meio sem entender o que se passava, abriu a janelinha que dava acesso
ao motorista e pergunta-lhe para onde estava sendo levado.
O pobre do motorista não fazia ideia de
que não era o morto a falar e sim o “acompanhante” do morto. O condutor que
estava completamente absurdo em seus pensamentos e achando se tratar do morto,
perdeu o controle do veículo, ao controlá-lo saiu do carro em disparada.
João tinha em sua loucura a liberdade, a
licença para brincar de morrer várias vezes.
Talvez com a morte de outros e sem que
pudesse compreender completamente por suas diversas dificuldades mentais, ele também
morria um pouco em cada morto velado, rezado e sentido.
É o que todos nós fazemos quando vamos a
um funeral, choramos nossa morte, nossa finitude e a dor da perda de quem nos
era caro.
Até que o dia em que João assumiu o lugar
do morto a ser velado, pois havia chegado sua hora. Então a cidade precisou encontrar
tempo para se despedir de seu ilustre brincalhão, que passou a vida de idas e
vindas em velórios. Velando mortos, passou a vida. Não fugia do encontro com a
morte.
Findou-se os dias de João, já não era mais
possível brincar de morrer/viver. E a morte parceira de sua vida, veio buscá-lo
provando que sua memória é de fato infalível, nem dos loucos se esquece.
[Maria Emília Bottini publica no Rua Balsa das
10 aos Sábados]
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