Ernande Valentin do Prado
Seiko Nomiyama
Você sabia que alguns brasileiros não usam
o SUS por preconceitos e não exatamente por não gostar da qualidade dos
serviços?
Dúvida?
Leia este texto (que também é um vídeo) até
o final e talvez pare de duvidar.
Passados mais de 30 anos da implantação do SUS,
ainda hoje persistem muitas dúvidas, preconceitos e ignorância em relação a
esse sistema de saúde, sobretudo por parte da classe média, que não se sente
usuária do SUS, nem mesmo quando se vê em uma encruzilhada e com dificuldade para conseguir pagar um plano privado e volta
a usar o serviço público, mesmo sem vontade, como mostra o artigo “O uso do SUScomo estigma”, escrito por Carolina Lopes de Lima Reigada e Valéria Ferreira
Romano, na Physis: Revista de Saúde Coletiva.
O artigo mostra que parte da classe média
acredita que o sistema público é destinado a prover serviços de saúde apenas
para quem não tem dinheiro para pagar por serviços privados. Desconhece que o
primeiro princípio do SUS é a Universalidade, ou seja, que o SUS é para todos e
todas as pessoas, não só para os pobres.
Embora a classe média ainda não consiga
entender ou aceitar, o SUS não é um favor, é um direito. É obrigação do Estado
oferecer cuidados de qualidade adequados para todas as pessoas. Obrigação esta
que causa desgosto no diabo, quer dizer, no mercado.
Por falar nisso, produzimos um podcast que
discute Direito versos favor e um vídeo que diz que o SUS não é de graça, são
esses aqui.
O artigo, “O uso do SUS como estigma”
mostra que mesmo quando bem atendidas e satisfeitas, algumas pessoas não usam
as Unidades de Saúde do SUS porque acreditam que isso as rebaixam perante a
sociedade. Na pesquisa, uma das entrevistadas diz, sem nenhum constrangimento,
que acha que o SUS é para pessoas “de comunidades”, que são, na visão dela,
moradoras de um ‘bairrozinho’ e, ainda na visão dela, que o SUS não é para
pessoas “normais”, ou seja, moradoras de um bairro de classe média.
As pessoas citadas no artigo, mesmo quando
bem atendidas, como essa senhora que citou o “bairrozinho”, referem sentir medo
do mau atendimento no SUS, mesmo quando as evidências e até a experiência
pessoal demonstram o contrário. Uma delas chegou a dizer:
— “De antemão você já sabe que é difícil
ser bem atendida”.
E quando perguntada se foi mal atendida,
disse:
— “Não posso dizer que não fui bem
atendida. Eu dei muita sorte”.
Deu muita sorte? Como assim?
Pelo visto, aceitar que os serviços do SUS
podem ser tão bons quanto qualquer outro é tão difícil quanto ver uma garotinha
de casaco vermelho caminhando entre nazistas, concorda comigo?
Talvez parte da classe média não veja o
“mau atendimento” como um problema tão grande assim! até porque existem planos
privados de saúde que são, francamente, tão ruins quanto deve ser carne moída
de estudante inglês. E hoje, no Brasil, já há evidências de que alguns planosprivados de saúde podem ter usado os seus clientes como cobaias para testar
remédios ineficazes contra Covid 19, mais ou menos como fazia o doutor Moreau
ou aquele outro que tinha dupla personalidade, tá ligado?
A pesquisa mostra que talvez seja a falta
de exclusividade do serviço o que deixa a classe média desconfortável, se
sentindo “misturada e despencando da ribanceira, junto com o povo. Talvez
acreditando que se for para despencar morro abaixo, o melhor seja fazer isso
sozinha ou em um morro só seu.
É mais ou menos como aquele ditado popular:
“eu não vou ao seu posto de saúde, para você não vir ao meu aeroporto”.
Talvez agora você esteja se perguntando:
Por que é importante que a classe média use o SUS? Afinal, com menos gente
usando, sobraria mais recursos para os pobres. Certo?
Esse é um argumento muito usado por
políticos liberais, pela imprensa e também aparece várias vezes na pesquisa da
Carolina e da Valéria. Esse modo de
raciocinar parece óbvio: atendendo menos gente, teria menos fila e sobraria
mais recursos para os mais necessitados. Não é isso que você acha?
Acontece que se o serviço público não é
para todos, acaba tendo menos qualidade, porque o raciocínio dos políticos é
simples: para pobre, qualquer coisa serve, até comer tomates e provas de
história rejeitados por porcos.
Outra pergunta que você pode estar se
fazendo: Por que é importante que a classe média compreenda que o SUS é para
todos e todas, ou seja, que tenha universalidade?
Se a classe média acha que o SUS é para
pobres, menos pessoas vão querer usá-lo e defendê-lo. Ninguém quer se sentir
pobre, mesmo quando está se sentido pendurado no sexagésimo andar de um prédio
no meio de uma chuva e prestes a soltar a mão. Nesta situação, o sonho de
consumo das pessoas, deixa de ser comprar um carrão que viaja no tempo, e passa
a ser pagar um plano privado de saúde, mesmo que o único plano que ela possa
pagar seja aquele denunciado pela CPI da Covid-19, lembra, que faz experiências
macabras com os clientes?
Quando a maioria das pessoas deixam de
acreditar que o SUS é um direito de todos e dever do Estado, quem lucra com
isso são os donos de planos privados de saúde, estes mesmos que já nadam em
dinheiro.
Desde ao menos os anos de 1960, quando o
sistema nacional de saúde do Brasil começou a ser pensado, já se sabia que o
SUS precisava ser para todas as pessoas ou então estaríamos reproduzindo uma
sociedade onde há cidadão com direitos e cidadão que podem ser torturados e
oprimidos pelos próprios aparelhos de estado.
Essa influência da classe média sobre o
comportamento e os valores da classe proletária, acontece porque “os valores
dominantes na sociedade, são os valores da classe dominante”, essa que é tão
bem retratada nas novelas.
Entendeu por que é tão importante que todas
as pessoas ou melhor, que ao menos a maioria delas se sintam usuárias do SUS?
Se ainda não te convencemos, deixa eu dar
outro exemplo: as universidades públicas são as melhores do Brasil e são, em
tese, porque são para todas as pessoas. Entendeu? São para todas as pessoas,
não são para pobres as universidades brasileiras. Estudar em uma universidade
pública é o sonho da maioria da classe média, talvez mais do que dos pobres.
Será que as universidades públicas
brasileiras despertariam esses sonhos, caso fossem para pobres?
Se ainda tem dúvidas, leia o artigo da
Carolina e da Valéria.
Só mais uma coisa: embora neste texto o foco tenha sido nos serviços assistenciais, é importante lembrar que o SUS não é só assistência, combinado?
Referências
BRASIL. Constituição da
República Federativa do Brasil: D.O. 5 de outubro de 1988. Disponível em:
<encurtador.com.br/nvLXY>. Acesso em: 20 out. 2006.
BRASIL. Lei orgânica da saúde
n. 8080/1990. Acessado em: <encurtador.com.br/ayMP4> Acessado em: 06 jul.
2020.
MARX, Karl. O capital:
crítica da economia política. Livro 1: o processo de produção do capital. São
Paulo: DIFEL, 1982. V. 1. ed. 7.
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