Maria Amélia Mano
Enquanto agonizo, faz frio, chove no mar como choro em poça no chão. Água na água. Excesso, enxurrada e transborde, desamparo, marulho de infinitas gotas lagrimadas na perdida península. Margens, magoadas costas, dor de antigos naufrágios, funduras, algas, raízes, sais, corais.
Enquanto morro, alguém ao longe alardeia meus absolutos segredos misturados, depurados, pendurados em cordões no escuro, como secagem de folhas orvalhadas. E a nudez que mais temo é a mais valiosa. É perda de áspero e árido aroma e sabor de erva recém colhida antes do sol, óleo essencial, cura.
Enquanto cicatrizo, perco remos e ramos de mim, mas de tantos nós me desato e me resgato, macia, planta verde, vendo ventos dar voltas, corte de cordas e correntes caídas, ondas vagas na minha saia em zigue-zague costurada, bordada de brotos, flores, caules, contas, contos e canteiros.
Enquanto renasço, olho o fino fio de firme terra tenra entre dois mares, passagem. Do outro lado do canal, clareira, centelha, chaleira com água de ferver e viver. Atravesso com música, acorde de despertar corpo. Corpo calor, corpo canção que dança e descansa com chá de amor-perfeito, maçã, macela e toques dela.
Texto parte da coletânea em homenagem a Vinícius de Moraes: Horas Íntimas.
Organização: Rubem Penz
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O que tem a dizer sobre essa postagem?