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31 outubro 2018

A fruta do futuro

Frutas do futuro dos fotógrafos Enrico Becker e Matt Harris

São Paulo, 24 de Outubro de 2084.

A moça vai até a bancada do mercado. Olha os desenhos uma laranja redonda cor-de-rosa com uma foto impressiva, 3D e cheia de brilho e contraste. Ao lado um morango intenso, seguido por uma maçã carnuda e uma banana estonteante sem casca.
Ela escolhe o morango e com um cesto aperta o botão de 100 gramas, vários cubos de morango descem sem cabinhos, já prontos para o consumo. Depois foi até a banana e escolheu, desceram vários cubos de banana já descascada, 100 gramas e cubinhos. Por fim escolheu a maçã, cada cubinho vermelho com casca, para o melhor sabor.

Após escolher as frutas apareceu na retina da moça e vibrou no implante coclear: “Labfruta: do melhor laboratório para sua mesa.”

Triste humanidade que persiste imitando a natureza que destruiu de instante em instante.

Abraços que pousam,
Mayara Floss

08 outubro 2018

O Brasil (im)possível



Brasil, outubro de 2020.*

Após o corte do décimo terceiro salário e a diferenciação dos trabalhadores de carteira assinada e desempregados entre carteiras azuis e amarelas respectivamente. Após a ONU ter se posicionado em relação aos ataques a população LGBT e o aumento dos assassinatos. Oficialmente a parada Gay em junho de 2020 foi cancelada. Ainda assim alguns vão para a rua, não se pode ser morto ou morta tão a queima roupa. Mas a agressão para as câmeras acontece, não muito violenta para o Jornal Nacional. Junto com o “livre mercado” e a mão invisível veio a “livre repressão”, “livre perseguição” e a “livre opressão” - seja por cidadãos de bem, seja pela polícia, seja por quem tem uma arma. Seja por um governante que legitima isso. 

Batem na porta vazia da Unidade de Saúde  a mulher desesperada com o filho desidratado com diarreia - mas não tem mais ninguém, o técnico de enfermagem aparece - um pingo de esperança - mas ali dentro não tem mais nada, só os cartazes antigos das campanhas de vacinação colados na parede. Ele diz para irem para o hospital. Ela pede pela a ambulância, ele olha com pena e diz: posso chamar, mas tem que pagar. Um vizinho aparece para ajudar a levar, mas a gasolina está impossível. Vão direto para o hospital, a fila é enorme, maior. Acaba que muitas pessoas ficam do lado de fora esperando. O menino desmaia nos braços da mãe. A pressão dentro do hospital público é demais, cortes e cortes nos gastos. Quer ser atendido? Tem que pagar, muitos vão para o hospital particular, mas o Brasil é um Estado impossível. 

A outra mulher vai com seus dois filhos  até a escola do bairro: não tem mais vagas. Mas tem uma escola militar no centro, só não tem dinheiro para pagar o ônibus que subiu de preço mais uma vez. A popularidade do presidente vinha caindo mais e mais, outro golpe no Brasil. Tudo foi leiloado, até grande parte da Amazônia. Agora que os agrotóxicos estão liberados chega uma pessoa atrás da outra com crise de asma no hospital do interior, mas tem que pagar - a mensagem já está clara colada em carta na porta. A propaganda diz que o agrotóxico é seguro, a realidade diz que não.

A pescadora cortou a mão com a faca, sangra muito, mas de tanto esperar a sutura não deu tempo de fazer: vai cicatrizar por segunda intenção, o Brasil também um dia vai cicatrizar por segunda intenção. O que é uma facada frente às balas e os baleados que chegam. Escolhas são feitas a todo momento. Mas lá na ponta, alguém picha no muro: ele não. 

Tudo foi o cisne negro para o general assumir. Não teve discurso nem ciência política para entender as mobilizações: o tempo vai pagar, ou fazer pagar ou apagar. O cansaço de se falar em democracia abre a brecha para a ditadura. A gente nem consegue dormir, o caos já premedita uma má notícia por dia, mas só por baixo dos panos - porque por cima as emissoras de TV pintam o país do futebol, escondem a crise, cortam as notícias ao meio. Um amigo querido que desaparece. Procurar onde? Na polícia?

A resistência e o apocalipse cíclicos. O próximo que entra na porta do hospital é um jovem de 23 anos, mais morto do que vivo, esse não era ladrão, não era policial, não estava envolvido com o tráfico, era homossexual. Repito: era homossexual. Dezessete balas no corpo. 

A próxima que entra  é mulher e é vítima porque “merece”. Não tem mais medicação gratuita para violência sexual e vem as outras violências juntas. Porque alguns humanos têm mais direitos que outros?

Toque de recolher, toque a flor da pele. O muro com o desenho de Marielle começa a ser pintado de branco: em nome da ordem. Fazem três anos que Marielle se foi. O silêncio entra na garganta de quem não pode gritar, melhor é ficar quieto. No mesmo instante uma menina negra tem que prender os cabelos em coque bem apertado em cima da cabeça e colocar o uniforme militar, ela tem sorte: vai estudar.

A esperança é o novo o contingente militar, a nova metralhadora do estado. A polícia e a política também sangram. Mas ainda assim o amor acontece e o Brasil pulsa por baixo do regime. Por cima do muro branco as letras pichadas pretas: “a história não costuma perdoar”. A bandeira do Brasil é verde, amarela e vermelho escuro  de sangue. E a gente inala e exala: respira. 

*Nota: tudo isso são fake news do futuro.

Mayara Floss

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